terça-feira, novembro 30, 2004

É engano...

Existe algo mais deprimente do que uma ligação enganada no celular? Você atende e o cara do outro lado pergunta quem está falando, como se ele não soubesse para quem ele ligou. Tudo bem, até entendo, de repente a pessoa deixou o celular dele na bolsa da namorada, ou estava longe e alguém atendeu por que ele pediu (ou não... vai saber), mas de modo geral as pessoas costumam atender a seus próprios telefones. Então você pergunta para o cara com quem ele quer falar, geralmente essa é a pior parte, chovem nomes esdrúxulos, títulos bizarros, dicções tortas e insistências estúpidas. “Queria falar como o Ministro Caetano”, “O Evérclaidísson está?” (como se as pessoas pregassem seus celulares na parede, o que me lembra da história da empresa que mandou fixar os lap-tops dos executivos às mesas porque não queriam que eles levassem os respectivos em viagens ou algo do gênero).
_ aáà luidiisjns esk?
_Eim?
_ ``AÀ`´a luidiisjns!
_Eim?
_LUIDIISJNS!
Você para, pensa, não consegue se decidir se desliga na cara ou manda tirar o p... da boca. Desliga porque é educado. A pessoa liga de novo e ainda acha que pode ficar puta porque você está enganando ela! Mas acreditar realmente que deram a ela o numero errado... isso não, nunca. O processo se repete pela próxima hora e, a partir do dia seguinte, em dias alternados. Afinal, todo mundo sabe que os celulares saem à noite para cantar no muro do quintal e se reproduzir (de onde você imaginou que vinham os celulares? Não vai me dizer que também acredita em cegonha...) e nesse processo às vezes voltam para a casa errada, mas um dia eles voltam. Isso tudo quando a pessoa não começa a perguntar de onde fala, ou quando acha que você é o(a) amante da esposa(o) e começa a te perturbar a vida. Maldita baixa estima...
Mas passando os constrangimentos sociais diretos, você sempre tem os sociais indiretos e os psicológicos. Os sociais indiretos geralmente são relativos à oportunidade, isso sempre costuma ocorrer nas horas mais constrangedoras possíveis. No dia em que você esqueceu de desligar o celular no motel, quando você está chegando atrasado no serviço (mais precisamente no exato momento em que você está passando discretamente pela sala do seu chefe), no banheiro, no cinema, quando você finalmente conseguiu dormir depois de vários dias, ou pior, quando a sua namorada com uma cólica desgraçada e aquela TPM insuportável conseguiu. Mas ainda acho que os piores efeitos de todos são os psicológicos: Quando se está esperando resposta a uma entrevista de emprego, quando se está esperando uma ligação daquela pessoa especial, ou quando você brigou com o seu melhor amigo ou com a namorada. É horrível. E se é tão horrível hoje, imagine quando as pessoas usavam pombos correio...

quinta-feira, novembro 25, 2004

Lazward

Depois de alguns dias de chuva, acordei com a pele levemente arrepiada pelo frio das últimas horas da manhã, olhei para o céu e percebi, um tanto incrédulo, que o tempo abrira. O céu estava tão profundo que eu não me lembrava que ele era desta cor.
Alguma vez já disse o quanto gosto dela? Naquele dia algumas nuvens passeavam pelo cerúleo, adornando a abobada celeste, contrastando com o fundo da tela de algum Deus, tela essa que invejo absolutamente todas as vezes que percebo quão profundos e belos são os tons de seus pigmentos. Tento me lembrar de quantas vezes me roubou os pensamentos, como quando mergulhei entre as pedras e os cardumes de Ilha Bela, como quando estava à beira do mar das praias do sul, dos céus que me roubaram a paz, dos olhos de safira que me roubaram à fala... dos poucos olhos que me invadiram violentamente a alma. “Acho que são olhos de mar na ressaca... Aquele mar que vem e me arrasta e me puxa para dentro de você”. Lembro-me igualmente dos tons ultramarinos que tingiram as coisas na calada da noite quando a luz a muito se fôra e da cor daquela manhã em especial. Há quanto tempo foi? Já não me lembro mais ou minto muito bem para mim mesmo. Foi a melhor de todas as noites em meio àqueles dias turbulentos, a calmaria no olho da tempestade. Era quase como se eu pudesse ouvir o som das ondas que me levavam entre o mar e a praia. Era o sonho de Ícaro.

Azul, do persa Lazward. Adj. 1. Da cor do céu sem nuvens com o Sol alto; da cor do mar fundo em dia claro; da cor da safira. S.m. 2. A cor azul em todas as suas gradações. 3. O céu, os ares, o firmamento: Voam pássaros pelo azul em fora.

segunda-feira, novembro 22, 2004

Problemas com seus empregados?

Seus trabalhadores são muito onerosos? Cansado de enfrentar greves? Você não agüenta mais receber aquele barbudo devorador de charutos do sindicato?
Um novo trabalhador-conceito irá mudar para sempre a rotina de sua empresa! Desenvolvidos sob condições extremas em laboratórios subterrâneos no Laos, trazemos para vocês os Fabulosos Estagiários Anões TM, Chuin!!!! (Som de Brilho de Robô Gigante de Seriado Japonês). Os únicos estagiários de alto desempenho, performance dinâmica e baixo custo que ocupam menos de um metro cúbico! Ensinados, os Fabulosos Estagiários Anões TM, Chuin!!!! possuem habilidades inigualáveis e são capazes de realizar tarefas únicas como piking, paking, textos, petit gateau e muito mais! São capazes de amarrar os próprios cadarços, precisam de pouca luz, pouca comida, pouca água e pouco carinho, mas são capazes de trabalhar por extensos períodos em qualquer condição físico-geológico-psico-climato-sociológicas! Mas espere, não peça os seus Fabulosos Estagiários Anões TM, Chuin!!!! ainda porque nas compras acima de cinco unidades você ainda leva uma prática caixinha de areia que irá manter os seus Fabulosos Estagiários Anões TM, Chuin!!!! limpos e asseados.

terça-feira, novembro 09, 2004

Chove lá fora

Como estou em época de provas e até as tampas de trabalho decidi publicar um ensaio já um pouco antigo para vocês se divertirem, não o havia publicado até hoje porque queria aumentar um pouco o tamanho, divirtam-se:

A meia luz banhava o quarto escondendo segredos entre as sombras dos móveis. Uma vela acesa em um canto bruxuleava levemente. Os movimentos eram sutis. Um mundo em tons alaranjados expunha corpos que eram calmamente despidos de suas vergonhas. Um sorriso de pin-up, uma boca carmim, lindas pintas e grandes olhos ocupavam meus pensamentos. A leveza de um toque e a voluptuosa vontade estabeleciam a excitação entre dois amantes a disputar um jogo. Sedução. Do latim seductione, substantivo feminino 1. Ato ou efeito de seduzir ou ser seduzido. 2. Qualidade de sedutor. 3 . Atração, encanto, fascínio. A alça de sua blusa caiu expondo sua pele clara, um dos ombros e a saboneteira. Os movimentos da chama aumentavam e em algum lugar raios choviam na terra. O fôlego faltava. A chama aumentava. O calor crescia. Um instante de resistência fazia os corações acelerarem dilatando suas pupilas ao máximo, arrepiando suas peles até o encontro de seus toques. Um clarão iluminou o mundo e a chuva caia forte em tons azulados lá fora.

sexta-feira, novembro 05, 2004

Sexta-feira, mais um dia de posts extranhos...

Tá, as crônicas não tem surtido muitos comentários nem visitas, isso me desanimou um pouco com relação à minha produção para o Projeto Nascente, mas tudo bem. Acho que poderia ter trabalhado um pouco melhor o último texto, tinha várias idéias legais, mas faltou tempo para variar. Então por hoje vou me ater aos comentários da semana.

Mulheres, mulheres, mulheres.
Ainda vou ficar louco, o tempo melhora e as garotas aqui do trabalho desfilam com cada vestido que me deixam insano... Não sei se já falei alguma vez sobre o quão sexy eu acho uma mulher de vestido, saia, mini-saia... Pernas, ahh... posso dizer com algum orgulho que compartilho de uma das opiniões do Drummond... rs. E existe algo mais sensual do que uma garota inteligente e bonita com um vestido leve, cabelos soltos, mostrando de leve os ombros e as pernas claras, inebriando os sentidos com o seu cheiro e um sorriso lindo nos lábios? A tradição clama por mim, dezenas de poetas que sob esse céu estariam tomando sua cerveja a beira do mar, escrevendo, discutindo e observando a essas beldades. Mas só observando... São todas livre, muitas comprometidas e eu aqui passo só vontade, tenho tanto com o que me preocupar, tanto a estudar, e montanhas de trabalho... O jeito é ligar o meu disc-man e ouvir novamente “Love in a Elevator” do Aerosmith.

Cores.
Hoje o escritório está despido do cinza habitual, centenas de bexigas coloridas enfeitam cada monitor da sala em comemoração ao aniversário da empresa. O efeito é delicioso, somado ao fato da semana estar chegando ao fim, todos trabalham um pouco mais felizes. Muitos preferiam que a comida do refeitório fosse boa só por hoje. Eu particularmente olho para as minhas bexigas laranjas e penso que de tão belas provavelmente devam ter um gosto melhor do que o arroz cru, o pirão azedo e o peixe de que tentei fugir inutilmente ontem. Acho que estou emagrecendo, depois da viagem não tenho mais dinheiro para comer comida de verdade. Minhas refeições matinais sempre foram parcas, meu almoço agora tem sido repetidamente folhas amarelas e pedaços de beterraba e o jantar, que já estava restrito a um ou dois salgados na faculdade, agora já não existe mais. Estou pensando em arrumar um fogareiro à álcool e trazer marmita, ou cozinhar aqui, mas para um não tenho espaço na mochila e para o outro não acho que o RH vá gostar. Mas é bom olhar ao redor e ver alguma cor diferente, já que não tenho uma janela para olhar o céu lá fora e ainda não pintei a minha paisagem para colar aqui dentro. Se eu não tivesse uma prova na segunda, talvez a pintasse hoje, ou durante o final de semana. O engraçado é ler o texto enviado pelo diretor da empresa que diz que a força e o valor da empresa reside aqui em seus funcionários e saber que existe uma comissão de corte de custos do refeitório que já não serve comida. É nisso que dá um canceriano sarcástico escrevendo com fome antes do almoço...

quinta-feira, novembro 04, 2004

O dia dos mortos

Ao se levantar, logo pela manhã, seus olhos teimavam em ficar fechados. O corpo jazia semi-inerte enrolado nos lençóis e virava-se vez ou outra procurando um pouco de calor e uma posição confortável. Mas sua consciência não tardou a falar mais alto e mesmo amarrado as necessidades fisiológicas que seu corpo exigia de forma pungente e turbulenta, levantou-se cambaleante e arrastou-se pelo quarto tateando em busca de uma calça. Ontem havia sido o dia de Finados, o dia onde se cultuam os mortos, e ele havia permanecido confinado a sua casa como um defunto em sua cripta. Não foi a falta de opção, nem a falta de vontade, pelo menos não a princípio. Quando pequeno, seus pais costumavam levá-lo até o tumulo dos avós, em uma outra cidade. Avós que não conheceu, mas os visitava habitualmente, se é que os mortos realmente se importam com visitas; certo dia isso lhe fez pensar: _Coisa curiosa. A morte. Vindo de uma família grande e nascido uma geração mais tarde, conheceu vários de seus anciões e teve a oportunidade de voltar à mansão dos mortos diversas vezes. Hoje, lembrava-se daqueles tempos, da necrópole escaldante, do cheiro de crisântemos, das beatas nas vielas e das pontuais chuvas torrenciais no fim de tarde. Sempre chovia. Sempre. Por vezes os velhos lhe contavam histórias e velhas superstições. Neste mesmo instante lembrava-se de uma: diziam que ao olhar para o cemitério a meia noite do dia de finados, você seria capaz de ver a procissão dos mortos saindo de suas covas em direção às casas para visitar os vivos. Pensou pelo dia à fora, sem encontrar a resposta a equação que se impunha lasciva a sua mente. Quem estava de fato morto? Seus avós, que hoje não passavam de um punhado de pó, cabelos e ossos ou ele, que lutava contra os próprios impulsos e necessidades da vida para enfrentar um novo dia de trabalho? De olhos vidrados em frente ao monitor o sono tentava usurpar sua atenção, este há dias o desafiava, mas também negava a ele o descanso. Com o descaso a fome lhe tratava e mesmo as iguarias que mais apreciava não pareciam provocar-lhe o estímulo necessário. Gastou com alguma besteira que comera apenas pelo impulso. Se quer possuía fome. A volúpia parecia jogar o mesmo jogo, mostrando-se em horas impróprias para desvanecer nos momentos onde seria ela oportuna. Durante todo o tempo em que permanecia acordado tinha impressão de ter suas vontades trocadas, queria dormir quando precisava ficar acordado, trabalhar quando devia dormir, rir e conversar quando deveria fazer sexo... Desenhar, ler, estudar, brincar, beijar, deitar na grama, nadar na praia, tudo se misturava em um sincretismo maldito, ameaçador, brincalhão. Espíritos Zombeteiros... Parecia-lhe agora que havia passado para outro lado da vida, parecia agora pertencer ao Senhor dos Esquecimentos. Este vinha se aproximando vagarosamente em uma marcha inexorável. Primeiro se apropriara de suas memórias, depois de seus gostos e agora parecia cobrar sua vida, sentado sobre o computador, estalando os dedos e balançando os pés sobre o monitor, o que produzia um estalido baixo e cadenciado do contato entre o coturno que vestia e o vidro do monitor. Talvez seja isso, talvez seja uma forma de ignorar quem está vivo e quem está morto. Talvez um modo de cultuar a nós mesmos. Jogo perigoso esse, quando pequenos seres se aproximam cobrando coisas grandiosas.