quinta-feira, junho 30, 2005

Análise político-sintática

Eu gostaria que isso não parecesse um conto, até porque eu sei que em pouco tempo é o que vai parecer. Mas creio que não há muito que eu possa fazer à respeito. Peço que todos os atores, autores, teatrólogos e afins me perdoem, mas quando assisto uma notícia sobre política no jornal tenho a verdadeira impressão de estar no teatro. Eu sei que é injusto dizer isso, o teatro realmente não merece a comparação com algo tão vil quanto à política, mas é que de novela o povo gosta e talvez, por isso, de política também. Talvez seja pela onipotência da trama, dos personagens... Eu realmente não entendo, mas também não me preocupo, sei que o povo está bem representado no parlamento! Temos lá deputados que passam fome, senadores que moram em favelas, legisladores que vivem de salário mínimo e cujos filhos menores trabalham em carvoarias no cerrado, temos também larápios e mentirosos. Quem não mente não é mesmo? E para os casos explicitamente destoantes não há nada que uma renúncia não corrija... Enfim, deixemos de lado as ovações quanto há ocupação tão nobre e vamos ao conto! Digo ao caso!

Estava eu tranqüilamente almoçando e assistindo ao jornal, um dia desses na semana passada e veio a estarrecedora notícia: O site do partido do presidente (que todos sabemos trata-se de uma organização pública e governamental) acusava a oposição de golpista. Estava armado o escândalo, a mídia logo começou a apurar aos fatos e a entrevistar alarmados representantes dos partidos de oposição no planalto. O primeiro representante logo disse: “É sabido que nosso partido nunca participou do golpe neste país, para tanto, basta apenas observar a história. Sempre fomos contra o golpe!”. O representante do segundo partido logo esbravejou: “Não sabemos de golpe nenhum, se o governo afirma que somos golpistas o governo deve mostrar as provas!”. O representante do terceiro partido pronunciou-se com toda a autoridade: “Golpe? Queremos saber a qual golpe que o governo se refere! O governo precisa dizer de qual golpe está falando”.
Sabe, na qualidade de estudante de língua portuguesa me reservo o direito de continuar odiando sintaxe, mas eu ainda adoro a parte sobre as ambigüidades!

sábado, junho 25, 2005

Vermelha

Vermelha.
Perfeitamente vermelha escura.
Deslizara pelo branco aveludado, lentamente, ora atrasada pelos pequenos pelos, ora correndo mais de pressa até a borda onde se debruçara com um brilho vivo, intenso, furtivo, balançara, pulsara, pendera e caíra. Viajando por centenas de longos instantes pelo ar, perdida, redonda e vermelha.
O tempo parara. Algumas vezes pestanejava, caía em um sono longo, etéreo e instantâneo, visitava pradarias, bosques, montanhas e ia muito além. O cheiro de madeira invadia as narinas, as extremidades do corpo reclamavam frias, as mãos ásperas falhavam, vacilava... E o sono perseverava mais forte que tudo, disputava, tentava acordar, piscava forte contra o sono dos justos. Às vezes um raio de luz refletido no copo de vidro que ia e voltava saltando os frisos do assoalho de madeira alcançava a gigantesca pupila dilatada que não precisava mais esconder-se atrás da pálpebra para sonhar. Alçara vôo sobre dois mundos. De súbito todas as cores ganharam um brilho forte, sobrenatural, como se a tinta do quadro borrasse em milhares de tons impressionistas. Não havia mais extremidades e cada cor era feita de milhares de outras, estava dentro de um quadro. Em um átimo de segundo sentiu-se finalmente livre, o corpo parou de lutar, os músculos cederam, a consciência deu lugar à inconsciência.
Acordara bruscamente com o estardalhaço. Eram milhares de gotas vermelhas a surgir da derradeira que despedaçara-se ao encontrar com a água, multiplicando o impacto e o efeito do vermelho vivo diluindo e desaparecendo no líquido transparente. O estrago já havia sido feito. O vermelho escorria sobre o cavalete e o chão misturando o seu forte odor ao do vinho. A tela branca possuía agora manchas produzidas por um efeito errático. Rorschach.

segunda-feira, junho 20, 2005

Conhecendo gente pela net

Hoje notei uma coisa a meu respeito com a curiosidade de um pássaro que nota que as folhas das árvores são verdes. Eu sou um desses raros casos de pessoas que não conheceram ninguém pela net. Pois é, sou obrigado a confessar com a impressão de que deve ser essa a mesma sensação de um pescador que nunca viu o mar:
_O que? Azul? Azul e grande?? Azul, grande e até o lugar onde o horizonte alcança o céu???
E eu:
_Assim? Completamente estranho, alheio e desconhecido???
Nunca. Nem ao vivo, nem a cores, nem por e-mail e nem por pulso telefônico, quem dera por carta registrada. Não houve MSN, Orkut ou afim que realizasse tal tarefa hercúlea com êxito, nunca deu certo. Aliás, isso é mais que estranho já que tenho amigos realmente bons nisso, alguns beirando o profissionalismo, atravessando barreiras alfandegárias, fusos, meridianos, quiçá planetas.
As Minhas melhores tentativas (diga-se de passagem, já bem caducas) foram em alguns Chats. Algo quase que pré-internético. Lembro como se fosse ontem daqueles dias da aurora da net, eu passava as noites na casa de alguns amigos e olhávamos espantados pela janela do apartamento um dos vizinhos atravessar a noite debruçado no teclado, provavelmente em algum Chat. Algumas vezes disputávamos o computador, tudo por essa chance dourada de encontrar alguém. Parecia algo milagroso como se equilibrar vendado num monociclo com um pedaço de bambu sobre uma linha telefônica de um lado a outro da rua guiado pela voz de outra pessoa (na verdade nem a voz) ou como mandar uma mensagem numa garrafa e obter uma resposta. Tentei uma dúzia de vezes quando me senti sozinho em casa chegando perto de manter algum contato regular com alguém umas três ou quatro vezes. No fim aquelas que não frustraram frente a alguma ideologia fundamentalista dos candidatos caíram por terra junto à conexão telefônica. Depois disso desisti por um tempo e nunca mais cheguei a tentar com tanta seriedade.
Agora ando tentando novamente com a disposição de um radioamador transmitindo em CW (Morse), às vezes tenho a impressão de que sou demasiadamente estranho para que isso dê certo, às vezes me pergunto quem não o é... Talvez seja só falta de sorte, ou talvez meu estilo seja apenas old fashioned... Hoje conversei pela primeira vez com uma garota simpática que acabei de conhecer no Orkut, até comentei sobre essa minha característica. Ela me disse que conhecera a maioria de seus amigos pela Internet, foi um momento engraçado, como se o último Neanderthal encontrasse o primeiro Homo Sapiens. Quem sabe amanhã ou depois não conversaremos de novo?

domingo, junho 12, 2005

Inconsistência

Hoje, por alguns momentos logo que me levantei, quase não me lembrei ser o dia dos namorados. Dia dos namorados... hunf... Acho que absorvi as idéias de uma velha amiga minha contra esse dia. Foram alguns poucos instantes de felicidade até me lembrar do dia de hoje e exercer o meu humor tipicamente canceriano.
Não é um dia muito bom esse, me faz lembrar de outras dessas datas que se restringem a fatos, como aniversários de namoro. Um dia eu gostei muito de aniversários de namoro, não por pieguice, apenas por que me divertia com isso. Hoje adquiri um certo pavor da idéia, não gosto nem de pensar no assunto porque algumas pessoas vêem essas ocasiões como doença, vislumbre... e porque não dizer como gnomos? Sim, gnomos, frutos de uma imaginação fértil em busca de uma manifestação encantada da realidade... essas coisas que satisfazem perguntas sobre quem somos e de onde viemos e sobre as quais as pessoas tem uma obsessão. Pessoalmente prefiro não dizer o que penso sobre gnomos, já tive minha cota deles na vida, nada contra, apenas prefiro pensar em ações físicas e mais ordinárias para resolver os meus problemas. Acho que isso me matou o gosto por essas ocasiões, essa capacidade humana de enxergar “o mal” em tudo que existe, que mesmo quando ignoradamente manifesta sempre se vê um fundinho lá no canto dos olhos (e da qual, infelizmente, eu também não sou isento).
Quando eu penso no dia dos namorados não consigo um bom motivo para comemorá-lo, embora eu não adore a cultura estadunidense, penso que o Valentine’s day é melhor nisso, pois ao comemorar também as amizades acaba sendo uma comemoração do afeto humano. De qualquer forma não estamos nos EUA, eu só devo ver os meus melhores amigos daqui a uns quinze dias e as minhas tentativas de aumentar o meu número de amizades tem sido no mínimo frustrantes. E pensando diretamente no assunto, eu sou impossível de se namorar, as pessoas consideram meus gostos estranhos, minhas idéias chocantes, meus atos provocantes. Lembro até de uma garota que me disse que eu sou melhor amante do que namorado. Acho que ela esta certa, sou melhor diversão para uma noite do que para um inverno. Moral da história o dia fica assim, com essa cara estranha, uma espécie de lembrança ridícula da quantidade de relacionamentos malfadados que tive (aos quais somam-se numerosas amizades) e da minha inconsistência como objeto de namoro. Eu nem sei porque ainda fico me lembrando disso já que vai ser só mais um dia trancado em casa no computador, o que acontece todos os dias...

quinta-feira, junho 02, 2005

Mea culpa

Olho para o lado e vejo no mural um recado que anotei com uma letra tão alegre e falsa que não consigo crer na minha hipocrisia, um convite para um lugar aonde eu não quero ir, encontrar pessoas que um dia foram muito importantes para mim e hoje não passam de nomes em uma agenda. Mas dei minha palavra que irei, e a minha palavra continua sendo algo muito importante para mim. Acho que isso deve alegrar um rosto ou dois, mas quando penso nas minhas razões para estar lá não consigo conceber nenhum motivo realmente decente.
Chame de rancor, chame de decepção, chame de abandono, chame do que quiser, não me importo. Já me importei muito e por um tempo longo demais, naquela época ninguém se importava. Hoje eu não quero mais, me tornei outra pessoa, embora o que eu sinto e estou preste a escrever nunca tenha mudado.
Chamem-me de cão raivoso. Chamem-me porque ladro, não consigo aceitar o abandono, nem negar o ódio que sinto por permitir que aqueles que amo tenham um dia me machucado.
Chamem-me de teimoso porque eu não consigo dar novas chances para aqueles que me abandonaram um dia. Porque não consigo dar outro nome a isso senão traição. Embora machucados aconteçam, mesmo sem querer, há feridas que não cicatrizam, como a traição de um amigo.
Sinto-me pequeno por tudo isso e culpado porque, apesar do crime não ser meu, não sei se posso perdoá-los; embora eu acredite ser capaz, não consigo dar uma nova chance para ser apunhalado. E seria isso perdoar? Confiar desconfiando? Ou seria estupidez esperar encontrar a redenção onde ela pode não existir?
Minha estupidez me envergonha, assim como a minha falta de confiança em que eu possa ser forte e sábio para passar por tudo isso sem cometer o erro de atribuir as pessoas valor outro que não o seu real.