terça-feira, setembro 19, 2006

Peixeiro

Estava atrasado novamente e pensou enquanto acendia a outro cigarro.

“Por quanto tempo mais meu chefe agüentará isso?”

O trago iluminou o quarto e as cobertas das quais se quer havia saído ainda.

“Quanto tempo mais eu tenho até ser mandado embora? Todo mundo sabe que limpar peixes está mais para um trabalho insalubre que para qualquer outra coisa, mas ninguém se importa. Tem aquele cheiro, óbvio, que depois de dois dias impregna tudo, aquela sujeira que nunca mais sairá de você e têm os espinhos, ah sim, os espinhos... Eles te pegam de jeito quando os seus dedos já enrugaram de passar tanto tempo naquele caldo misto água, sangue, tripas, gelo e suor. Os espinhos são normalmente bem incômodos para as pessoas que os sentem, mas uma das vantagens de abandonar a medicação por falta de dinheiro é que o seu limiar a dor aumenta, que na verdade é como se nada disso importasse muito realmente.”

Apagou o cigarro no cinzeiro, mas não antes de acender outro. Odiava o gosto daquilo, mas que se dane, quem se importa. Colocou o novo cigarro no cinzeiro e saiu da cama. Caminhou pelo apartamento minúsculo procurando alguma peça de roupa limpa, juntou uma calça e uma camisa que cheiravam menos a peixe e as vestiu. Ignorou o café, a geladeira havia quebrado há uma semana e o leite já havia passado dessa para melhor há tempos. Comeu um saco de “Porquitos” que comprara no dia anterior e ao sair para o “trabalho”, batendo a porta com força derrubou da parede da sala o diploma da faculdade de direito espatifando a moldura em milhares de cacos que ainda ficariam ali por muitos dias.


***

Eu nunca entendi direito por que as pessoas continuam fazendo coisas que lhes fazem mal.

segunda-feira, setembro 18, 2006