sexta-feira, setembro 25, 2009

Invisível

Deu calor, foi uma corrida que dei na rua, demorou a passar, horas e horas. Sinto o nariz cheio de ar e os ouvidos quase tapados. Os sons chegam abafados, submersos e tento segurar a chuva com um tremor interno. A sombra é fria e o sol arde enquanto me afogo em mim mesmo.

E enquanto isso, assisto às coisas e pessoas do outro lado do espelho d'água, numa outra vida em um outro lugar. Como se do alto do meu palco invisível, ao sentir a proximidade do clímax da minha tragédia, eu vivesse um meta-momento , um momento onde as coisas se invertessem e eu pudesse assistir a platéia. Enfadado de mim mesmo, cansado, repetitivo, nostálgico, agitado, desesperado, cansado, cansado, cansado...

A correnteza aumenta e quase me entrego, meio morto, abandonado ao acaso de ser uma sombra do homem, já quase sem forças para continuar. Tenho os bolsos vazios, um milhão de desejos e nenhuma moeda para o Caronte . E assim, a morte irá prevalecer e a vida também, com todas as suas lamentações as quais este lápis é o único confidente. O único capaz de realizar a materialidade e o significado intrínsecos destes fatos insignes. O único capaz de fazer algo à respeito e sobreviver.

quarta-feira, setembro 09, 2009

Hiatos

Ainda ontem quando acordei uma nesga de sol amarelo ouro avançava sobre a sala após fugir entre as nuvens negras que maculavam os céus. Era muito cedo, como há muito tempo não me lembrava de acordar por vontade própria. Os primeiros pingos me alcançaram logo antes de chegar ao ponto de ônibus e já continham em si o mesmo ímpeto que meu corpo quando ainda na noite anterior prometi para a mim mesmo um derradeiro esforço pela salvação dos meus dias.

Estava feliz com a minha pequena vitória sobre o sono, o cansaço, o tédio e o desânimo; permanecia levemente excitado mesmo diante da montanha russa emocional matinal. A água açoitara as vidraças do campus com toda a fúria e escorria plácida pelos vidros das janelas, causando aquela sensação boa de que tanto gosto. Mal havia passado das nove horas da manhã e já era noite.

E assim o dia foi passando, molhado branco-acinzentado com aulas boas, conversas jogadas fora com amigos aqui e ali e rompantes de paixão. Veio a noite tão úmida quanto o dia, o ar leve e respirável, o asfalto brilhante, uns poucos letreiros acesos, as dezenas de portas fechadas e um restaurante grego um pouco mais animado do que a lanchonete em Nighthawks. O dia foi-se tão surpreendentemente quanto chegou deixando apenas o desejo de poder mandar embora todo o hiato criativo com a mesma veemência de um dia bom de chuva.