terça-feira, março 29, 2005

Boa noite e boa viagem.

Não é novidade que ando com dificuldade para escrever, os assuntos sumiram, as publicações minguaram, vários textos disputam a minha atenção para serem terminados e eu não consigo achar nenhum digno de nota. Nenhum. Acredito que tenho escrito melhor, mas dada hora eles travam, não descem...
É, já contei algumas vezes que escrevemos sempre para alguém, e acho que eu estou numa dessas épocas em que eu não sei para quem escrevo. Assim decidi escrever este texto para as pessoas que não mais estão aqui. Não, não estou falando de mortos e de cemitérios, mas daquelas pessoas que por um breve instante da eternidade, significaram muito para mim, mas que, por um motivo ou outro, seguiram estradas diferentes.
Tento me segurar, mas o sarcasmo que herdei com o meu sangue não me permite o silêncio: existem aqueles que pegam estradas diferentes e aqueles que deliberadamente as escolhem, mesmo que não queiram acreditar nisso ou simplesmente não o admitam. E é óbvio que este texto fala sobre o segundo tipo de pessoas.
Paro, olho para o teclado, olho em volta e percebo que chegara o momento no qual todos os meus textos parecem estar empacando ultimamente, logo após sua introdução. Mas este é um dos que eu tenho que enfrentar, por mim e por mais ninguém. Não acho que alguma das pessoas em quem estou pensando agora venham a ler este texto algum dia, esta é uma possibilidade remota, então não é isso o que tenta me impedir e sim o apego. A verdade é que eu decidi parar de lutar contra as vontades alheias. Querem ir? Vão... e tenham a minha benção. Sim, estou chateado com isso, sim me sinto ofendido, abandonado talvez. Mas de todas as coisas sobre gostar das pessoas, talvez esta seja a mais certa: embora amor não se meça, as pessoas não se gostam igualmente e muitas vezes você irá gostar mais de alguém do que este alguém de você, bem como muitas pessoas gostaram de você bem mais do que você delas, talvez bem mais do que você ame a si mesmo. Entendam como quiser, esta não é uma carta de alforria, não existem correntes com as quais eu prenda as pessoas, ou qualquer forma de posse que eu estabeleça, e tendo estas pessoas todas partido já há algum tempo isto reforça a minha afirmação. Este é apenas um desejo sincero de uma boa viagem vida à fora.
Gostaria que este texto me fizesse sentir mais leve, que purgasse meus pecados, minhas hereges paixões e que extinguisse as minhas saudades. Infelizmente ele não é capaz disso, então aqui eu o encerro e me entrego para os braços da escuridão de mais uma noite sem estrelas.

segunda-feira, março 21, 2005

terça-feira, março 08, 2005

"8"

A luminária balançava devagar fazendo o fio, tencionado, ranger levemente no ponto onde tocava o teto. Paredes vermelho-cereja delimitavam o aposento onde uma mesa longa, perfeitamente envernizada, era coberta pelo verde de um tecido; um mundo de contrastes em um filme de alta sensibilidade. A meia-luz revelava o colo exposto e o contorno perfeito dos seios da garota que iniciara o seu movimento, estremecendo a ordem do mundo. Do outro lado da sala, saindo da penumbra, ele contornava a mesa com movimentos felinos, um sorriso no canto dos lábios e olhos escuros, atentos e brilhantes. Snap! Uma bola corria para a caçapa enquanto a luz continuava a pendular, e levantando da mesa para ela, lentamente, os olhos, ele pronunciou em meio a um sorriso: “_É sua vez”. A luz focara abruptamente em sua mão, segurada com força, um gesto de cortesia tão tentador como o que balançara a luminária. Ela ria tímida afastando, esbaforida, dos lábios a taça de champagne marcada pelo batom e colocando-a de lado junto a sua timidez. Olhou diretamente dentro de seus olhos, caminhou sensual e decididamente de encontro a ele e inclinou-se levemente sobre a mesa enquanto mordia os lábios olhando de canto. Snap! Outra bola atravessava a mesa. Ela levantara sorrindo com um ar de graça que lembrava as pin-ups de Gil Evergreen e com um movimento sutil soltou o coque que prendia seus longos fios castanhos, quase negros. Não precisavam de palavras, os olhos de ambos falavam por eles, inquietos, libidinosos, famintos, olhos que devoravam uns aos outros euforicamente com as pupilas dilatadas. A respiração intensa trazia ar aos pulmões gerando aquela leve cócega no externo, uma sensação que poucas vezes se sente, mas da qual ninguém nunca se esquece. Noite adentro, as bolas foram desaparecendo da mesa, uma após a outra em um ritmo forte e intenso, noite adentro... até o momento onde restara apenas uma. Seus olhares se cruzaram desejosos. A tensão alcançara o seu ápice, o tempo dilatara e Beth Gibbons cantava para eles, distante no rádio.
“ ‘Cause the child roses like,
Try to reveal what I could feel,
And this loneliness,
It just won't leave me alone, oh no.”
Logo, não havia mais bolas na mesa, não havia mais copos, não havia mais chão. Os faróis dos carros iluminavam a vida longe em movimento, em flashes que não alcançavam as janelas. Havia lábios, olhos, cheiros, êxtase. O tecido amortecia os movimentos e a luminária pendulava novamente.

quarta-feira, março 02, 2005

Dá um tempo.

Eu queria escrever algo, mas está difícil. Rabisco meia dúzia de textos, começo duas, três vezes cada um e nenhum me agrada. Apago tudo e volto para a prancheta. Eu queria escrever, mas tem faltado tempo, tantas coisas no trabalho, na cabeça, tanto o que fazer, resolver, pensar, acaba não saindo nada, fica tudo lá, preso misturado, tudo errado: girafas com trombas, tigres púrpura, rosas de vidro, prédios de taipa, pessoas de chocolate, asfalto com pimenta. Eu queria escrever sobre como está difícil esvaziar a mente e simplesmente relaxar, eu só queria pensar um pouco, mas quando paro as coisas continuam, rodam ao meu redor, não fluem. Não é só comigo, é com todo mundo. Todo mundo tem que trabalhar, pagar as contas, cuidar da namorada ou de arranjar uma, levar o cachorro no veterinário, ir ao médico, fazer isso, aquilo, aquele outro... O tempo passa e não temos tempo para nós mesmos. Há quanto tempo eu não leio um livro inteiro? Quantas vezes eu realmente consegui me divertir esse ano? Quantas vezes eu não tive horário para voltar? Tento encontrar um ou dois amigos, combinar um cinema, um jogo, um churrasco, uma cerveja. Nunca dá, não tenho tempo, não tenho dinheiro, fulano também não, a garota vai viajar, a moto vai para revisão, o namorado está doente, tenho aula, tenho que estudar, minha mina não quer, Tsunami, vacinação das borboletas, greve dos asnos cegos do Himalaia, estiagem no Nepal, blá, blá, blá... Nunca dá, e quando dá é sempre um estresse, todo mundo quer relaxar, as coisas saem um pouco do eixo, não foi como previsto, discussões, brigas, boxe. Há um tempo, um grupo de amigos que havia se quebrado voltou a se encontrar, motivo: Um deles tentara suicídio. Então houve uma comoção e todos os resolveram se unir para que ninguém mais se matasse. Ninguém mais se matar? Legal, quem precisa ver os amigos porque gosta deles não é? Eles entendem... morrem virando vidros de remédio, mas entendem. E assim se formam os grupos na sociedade, objetivos em comum! Suicídio coletivo, esporte, religião, motos, comida... E prioridades? Para que? Só para justificar o próprio livre-arbítrio, mas o outro... que se foda.