Ônibus. No ônibus. Movimento. O calor é degradante, a viagem lenta. Viagem, literalmente. O Shin’in, ex-imperador Sutoku, levanta-se e dá lugar a uma moça. Propicia-me a conversa mais agradável que eu já tive com estranhos dentro de um ônibus em toda a minha vida. Do lado de fora, os carneiros atravessam a paulista na faixa, pulando o canteiro central. Ela me pergunta o que estou lendo, eu mostro. Ela diz ser dona de uma empresa de artigos de bambu. Take era o nome, acho. Mais algumas palavras e me despeço, levanto, passo a catraca e percebo que não estou bem aonde eu pensava. Faltam três ou quatro pontos até o meu, mas fiquei com medo de perdê-lo, a conversa estava realmente boa. Desço do ônibus no meu ponto habitual e noto que o vento balançando a cerca viva de uma casa lembra as algas do fundo de um aquário, ou isso foi depois? Depois eu acho, antes eu atravessei a faixa da Faria Lima, antes ainda a da Cidade Jardim. Os carneiros estavam lá, eu me lembro. Pulavam alegremente e não pisavam nas rachaduras do chão de concreto. Distorções espaço-temporais, fotofobia. Meu estado é realmente deplorável. Paro em um café e peço um chá, odeio beber café, preciso de cafeína. Pago ao homem que me atendeu realmente confuso e quase esqueço o troco com medo de perder o meu próximo ônibus. Saio em tempo de vê-lo chegar a toda velocidade. Não, não era ele, agora estou confundindo cores também. Entro em outro ônibus evitando pisar nos degraus com cogumelos, bebo chá mate e acordo um pouco. Sento-me, mas ainda tenho a sensação de que os objetos são feitos de diversos planos sobrepostos, sem a profundidade que enxergamos. Um mundo composto por diversos planos que, quando viramos rapidamente a cabeça, conseguimos ver saírem de registro. Lentamente as coisas voltam ao normal, acho que acordei um pouco. A cabeça pesa, mas agora está tudo bem, noto que estou muito atrasado. Respiro fundo, me recomponho assistindo a um senhor de aparência circunspeta que trava uma guerra contra a sua pasta. E quando me viro para a moça ao meu lado uma carpa gigante me saúda do lado de fora do ônibus, flutuando em frente à cerca viva de algas do restaurante mais próximo, aonde os carneiros tomam um brunch. Preciso dormir.
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