Hoje a morte veio me ver em meus sonhos. Deitada em uma grande cuba de inox parcialmente cheia de água, vestia a carcaça de uma mulher adulta, quase uma senhora, cujas partes centrais de seus membros haviam sido libertas de todas as carnes. Suas pernas sem a carne das coxas e seus antebraços sem a carne dos braços moviam-se eloquentes, pendurados pelos ossos ainda cobertos de sangue, como longas luvas e botas de carne. Alguma pele da coxa direita ainda estava lá presa e boiava como um chiffon de seda na água de sua cama metálica, um detalhe sofisticadamente maquiavélico. Seus cabelos eram belos, longos, castanhos e encaracolados. Seus olhos, profundos e agudos como pontas de facas. Olhava para dentro de mim, através do recôndito de meus olhos, curiosa e animada, olhava dentro de mim e contava a história dessa senhora. Sorria e tentava ser de todo agradável, mesmo sabendo que não o era, talvez pelo simples fato que seja essa a sua natureza ou porque queria que eu que eu não tivesse duvidas sobre quem ela era. Divertia-se com isso. Ela conhece meu cansaço das injustiças do mundo. Ela sabe que penso nela. E acordo sozinho, enjoado, ofegante, suando frio. Meus olhos banhados pela luz fria da noite piscam secos e confusos e, a cada encontro de pálpebras, lá está ela a sorrir novamente. Queria gritar, mas não tenho voz e chorar mesmo sem lágrimas, queria me libertar da crueldade de seu sorriso que me abandona desperto para o mesmo mundo de sempre.
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