Ao acordar de manhã levantou porque tinha de trabalhar, comeu para poder tomar seus remédios, tomou seus remédios para não surtar enquanto trabalhava. Foi trabalhar para poder pagar seus estudos, a conta da moto e a do analista, ou melhor, do analista e da moto que usava para ir até ele e até a faculdade. Ou pelo menos era o que ele queria acreditar.
Alguns amigos afirmam que Prozac é hoje uma religião. Eu afirmo que na verdade a religião é um Prozac. A religião obriga você a acreditar que há um ser supremo, Deus-pai-todo-poderoso, Magnus Opus, que olha por seus atos e que irá puni-lo ou bonificá-lo de alguma forma caso siga ou ignore dada conduta, caso você não faça exatamente o que “ele” deseja. Primeiramente eu não quero nem comentar o fato de que um ser supremo teria coisas muito melhores para fazer do que ter de criar um mundo e observar as pessoas nele. Explico, se estamos tratando de um ser perfeito ele não teria curiosidade uma vez que é onisciente, não criaria a humanidade para observá-la, e se o fizesse seria em um ato de extremo tédio. Ora, se deus está entediado ele não pode ser perfeito e as coisas não começaram nada bem. Uma vez que é onipotente ele poderia ter criado algo melhor, e teria lugares mais interessantes para estar apesar de ser onipresente. Mas não é sobre o conceito e o propósito de Deus que quero falar, por tanto darei função à religião e voltarei à questão. A religião serve a dois propósitos fundamentais: estabelecer um código de conduta tendo em vista o funcionamento da sociedade e do indivíduo exposto às pressões desta. Por analogia tanto a religião quanto o remédio, funcionam para sanar os mesmos problemas, as questões existencialistas.
As questões existenciais sempre foram um problema para o homem. Qual a real motivação do indivíduo para viver e seguir um modo de vida? O que faz com que o indivíduo levante de manhã e faça algo? A atual sociedade propõem um modelo onde a resposta se resume a uma palavra: desejo. Funciona em função da busca pelo hedonismo, estimulando o consumo e por tanto a produção. Para manter o ciclo ela necessita da criatividade, inventividade, tecnologia, propaganda e reciclagem. Isto apenas para citar algumas das coisas. Para que os desejos possam ser produzidos em série, rapidamente e em quantidade eles devem ser padronizados, dando origem ao irônico termo conhecido como “cultura de massa”, que nada mais é do que a padronização da população e que nada tem de cultura no sentido erudito da palavra. A sociedade atual induz a uma resposta que é artificial e que tenta nos fazer esquecer a pergunta.
Existe um pensamento que eu creio seja o maior sofisma perpetrado pela nossa espécie. A crença de que somos animais racionais. Uma vez que somos criaturas de instintos, pensamentos, sentimentos e desejos não creio que possamos ser chamados racionais porque muitas vezes a racionalidade é suplantada por nossos instintos, sentimentos e desejos. Em que isso nos difere dos animais? Nossas relações são mediadas por instintos, estabelecidas à força e segundo nossos interesses. A questão social nunca evoluiu para além da selva.
Por um longo tempo eu cometi o erro de justificar a razão da minha existência através dos meus atos e das pessoas a quem amo. Acreditava que aquilo que eu fizesse poderia ser a essência de meu ser, a minha razão. Acreditava em agir com nobreza em honra àqueles que amo. Na verdade um modo bonito de se dizer que se eu fosse uma pessoa de bem, seria admirado, respeitado, querido, desejado e amado. Portanto em pouco tempo esta se tornou a razão do meu ser. Porém isso encerra um grande problema, toda vez que a relação que tenho com as outras pessoas muda isto me afeta de uma maneira violenta. Essencialmente quanto mais significativa a relação com a pessoa mais violenta a reação, maior o tombo por assim dizer. Toda vez que perco um amigo ou uma namorada eu literalmente morro, porque meus atos deixam de ter um propósito, um sentido, um significado e uma razão. Aprendi a viver em função das outras pessoas, aprendi a não acreditar nos meus olhos, mas nos olhos de outrem. Quando sou amado me sinto bem, sei que sou uma boa pessoa, quando abandonado, volto às trevas do esquecimento. Não consigo ser de outra forma por mais que eu tente. Tento me amar, mas não vejo nisso mais que uma motivação narcisista e egoísta, não acredito na realidade que capto com os meus sentidos a respeito do meu ser. Talvez porque eu não aspire grandes coisas além de amor, o que infelizmente envolve outros seres.
Então eu pergunto a todos os que me lêem: Qual o motivo que vocês tem para levantar da cama de manhã e viver a vida? O que faz com que vocês passem pela vida e não que a vida passe por vocês? Porque amor é uma mera convenção, relativa a proteção e admiração, relativa a instituição de quem é sagrado para você. Devo afirmar que nesta alçada não sou mais do que um mero aspirante. Que me apaixono como qualquer cachorro de rua quando recebe um osso qualquer. Mas como todo o cachorro de rua não sou capaz de gerar admiração por parte de ninguém. Não tenho características impressionantes. Não sou nada além de “fofo”, mas não quero ser um travesseiro. No final eu sou sempre o cara legal com quem as pessoas contam quanto precisam, mas se esquecem quando apropriado. E isso não tem nada haver com recompensa, mas com notabilidade. Por mais que eu me esforce, não sou digno de nota. Se nós somos todos animais e vivemos para crescer e perpetuar a espécie, neste caso sou fadado ao fracasso. Sou um sobrevivente astuto não um garanhão musculoso. Sou apenas um coiote que uiva só no topo da montanha. Não posso mais ansiar grandes relações que me façam viver com meus antiquados ideais nobres, nem esperar que essas relações me preencham. Assim, já tenho meus remédios, não quero uma religião ou uma crença em um futuro improvável, não será nada que eu compre que irá me responder o que quero saber. Não quero me importar porque assim dói menos, já que sou fraco, admito a minha fraqueza! Quero apenas uma resposta e não quero a resposta definitiva, quero apenas saber que motivo faz cada um levantar logo cedo e viver a vida!
Little, Big
Há 2 meses
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