segunda-feira, maio 30, 2005

Passagem rápida

Pega a moto, põe o capacete, dirige alguns minutos vê alguns amigos...
Passa algumas horas, termina sem demora, sente o gosto e a saudade...
Termina, sente falta, acaba, volta, acorda, enrola, pisca, passa a hora...
Sai a chuva, raia o dia, olha lá fora o frio que se enrosca aos artelhos...
Passa a manhã, tarde, noite, passa dias, vontade, fúria, paixão, vazio...
Vazio, vazio, vazio...
Passa triste, a sós, baixinho, devagar, devagarinho, só naquele instante...
Naquele ocasional instante que alguém convencionou chamar de vida.

quarta-feira, maio 25, 2005

Seria tudo isso apenas brincar com demônios?

A água corria por entre as telhas e gotejava no forro velho carregado de cupins. Além do barulho, arrastava o pó de anos e descia escorrendo pelas paredes marcando-as com tons amarelados e marrons. Havia passado das sete horas há não muito tempo e a chuva que durara a noite toda não havia cedido um milímetro sequer. O assoalho trepidava com os ônibus a passar pela rua e o sono já se debatia tentando abandonar o corpo. Como era de praxe, ele mexera-se muito durante a noite e os pés frios tentavam insistentemente encontrar alguma parte do cobertor para esquentarem-se sem chutar de forma estúpida a gata para fora da cama. Poucos dias haviam se passado desde que fora demitido, mas o tempo já havia começado a jogar seus jogos e ele não fazia idéia de que dia era aquele. Tateou o criado mudo acordando irritado com as goteiras que o lembravam das contas para vencer e praguejou algo contra o mundo. Encontrara apenas a caixa vazia do antidepressivo que havia acabado meses atrás quando teve que optar entre as contas que podia pagar. Péssima idéia, pensava ele agora.

sexta-feira, maio 20, 2005

Paisagem

Contemplo o vazio na ausência do som dos carros. Algumas pessoas vão passando devagar, atravessando a paisagem distante, caminhando daqui para ali, pequenas, tal qual formigas. Sentadas, duas moças dividem comigo o extenso tapete verde que a grama forma atrás do prédio da reitoria onde, ocasionalmente, erguem-se algumas árvores em direção ao céu. As cores vão mudando lentamente, as sombras vão tornando-se penumbras e a lua vai subindo para o azimute enquanto a luz mingua. Pouco a pouco o cenário vai mudando e eu tento capturar essa imagem em minha mente com a futilidade de quem constrói um castelo de areia disputando espaço com as ondas na ponta da praia. Enquanto isso, alguns carros trafegam já com as luzes acesas, os alunos vão chegando lentamente para o turno de aulas da noite e alguns pássaros cantam e brincam. O silêncio é arrebatador. Não o simples silêncio que se deita sobre este lugar mais calmo, mas o silêncio da ausência de vozes conhecidas, das gargalhadas esquecidas e das amizades ausentes. O sol de súbito faz um último esforço no final da abóbada celeste para tingir de amarelo o gramado refletindo-se nas nuvens. Não sei, não sei mais se é de amarelo ou laranja, nem sei se é no outono que estamos ou que dia é hoje. Hoje é só mais um dia qualquer, igual a todos os outros dias. Os dias são iguais há muito tempo e se eu não soubesse que estou aqui, já não saberia mais nada. As luzes dos prédios começam a pipocar entre as janelas dispersas e daqui a pouco a luz do dia terá partido completamente me deixando sem ter como escrever mais hoje. As letras irão embasando, ao papel se misturando e pouco a pouco o silêncio se fará completo.

quarta-feira, maio 11, 2005

Ops... parece que é a minha vez...

Antes de soltar o texto uma pequena explanação: hoje foi meu último dia de trabalho no Sub e essa foi a carta que escrevi para me despedir de todos por lá. Nos próximos dias acredito que vocês assistirão a atualizações mais freqüentes, já que uma das coisas que estava dificultando isso era o fato de terem bloqueado o blog no meu antigo trabalho. Assim, deixarei maiores considerações para mais tarde, por hora, divirtam-se com a carta, que eu acho, ficou muito legal. Segue o texto:


Assunto: Ops... parece que é a minha vez...

Olá,

Lembra de quando éramos crianças, no colégio, correndo pulando e brincando? Daquela vez que íamos apresentar aquela peça de teatro e você perdeu a deixa para entrar no palco? Pois é... essa é a minha deixa. É hora de deixar as luzes do palco.

Pouco mais de um ano se passou e foi um ano e tanto. Tantas novidades, tantas amizades, tantas coisas e tão rápido... Mal o luzeiro do céu deitara e se levantara, era ainda ontem, quando eu entrei por aquele portão cheio de guardas, em um terno preto, para a entrevista. E logo após isso veio o primeiro dia, o dia que começou comigo sentado na copa esperando a minha nova chefe chegar e terminou sobre uma mesa vestido com aquela roupa estranha ao som de Conga. Não foi há muito tempo, o primeiro de tantos dias em que sentei eu e a minha pena no meio da passagem no Comercial e escrevi sobre aqueles sonhos que os homens projetam sobre telas. Nesse meio tempo houveram demandas diversas, empreitadas em feiras de anime, houveram dias etiquetando brindes, textos para a loja de bebês e quebra-galhos em e-mails do marketing. Houvera até aquela vez em que me vesti de mergulhador para um certo trabalho de graduação e uma divertida entrevista de onze páginas para o jornal. Mas nem tudo foi trabalho, foram almoços no Seiva, no Wall e no West, pasteis até, teve até petit-gateau! E as barras de chocolate que escondemos do Tuba por muito tempo! Você se lembra?

Espere... você ouviu? É a minha deixa de novo! Já estou atrasado e ainda nem falei nada, não disse sobre tudo o que aprendi e, mais importante, sobre os amigos que ganhei e, espero, levarei comigo para a vida. Sabe como é, não sou bom com essas coisas de despedida, já estou nervoso, trêmulo, erro os toques no teclado. A respiração falta, fica presa lá no fundo do peito e os olhos marejam.... se quer enxergo as letras borradas...

Perdoem-me a emotividade... já não consigo mais escrever...

Deixarei, na minha boca, que o canto das palavras de outro poeta terminem o ato. É chegada a hora... obrigado a todos por tudo e até breve...

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Vinícius de Morais in livro de Sonetos)


Ps.: Escreva-me!