sexta-feira, novembro 06, 2009

Trêmulo

Tremor. Um zumbido alto se sobrepõe por um instante ao ronco constante dos motores. Sirenes, vozes, alarmes de carro... A sala, imersa em sua penumbra habitual, permanecia naquele ponto inconstante, quase claro, quase escuro, quase quente, quase frio, quase confortável, quase ordenada, quase solitária.

Falta pouco para a aula, uma hora, uma hora e quinze, quarenta e cinco minutos talvez. Não faz diferença, hoje não. Hoje não estou para o ar viciado de terebentina e óleo de linhaça, nem para os corpos-objetos dos modelos ditos vivos. E depois de dois ou três telefonemas também não estou para ninguém, o que é o jeito hipócrita de reconhecer ser dado ao ostracismo. Cuja mordaz indiferença é a parte mais dolorosa entre o esquecer e o quase. Que por longos instantes me transforma num objeto de dar corda ou num sátiro cuja importância se relativiza diante de tantas outras distrações disponíveis. Não é a toa que o gentio se deixa iludir por fábulas e mitos megalomaníacos de infinitude, entes supremos, paraísos, infernos e toda a sorte de coisa que designifica o suicídio e lhe tira a mente de sua vida vazia.

Agora lembro-me de uma amiga a contar de um amigo formado bacharel ainda imberbe em uma profissão mercadologicamente viável e dono de seu primeiro milhão aos vinte e poucos anos. E ainda hoje, cético da existência de gente assim, me pergunto o que é essa lógica diabólica que afirma que alguém assim "deu certo". Orgulho-me de estar pastando o diabo, sem ter onde cair morto se isso me trouxe alguma lucidez. Ainda que doa na minha alma os dias e dias sem uma conversa amistosa, que quase todos os meus amigos já me tenham apenas na efemeridade de um punhado de memórias cálidas. E que a certeza da minha existência resida apenas no calor tépido que se esvai de beijos apaixonados, abraços apertados e do cheiro da amada que persiste em meu corpo.

A poucos passos da obliteração, resistem apenas linhas mal escritas com palavras borradas e idéias satânicas. Algumas telas empoeiradas num canto. Olhares devovidos em fotos. E longas reflexões sustentadas de forma tão imaterial por uns poucos watts de eletricidade.

Um comentário:

  1. Anônimo3:06 AM

    Ser ou não ser - eis a questão.
    Será mais nobre sofrer na alma
    Pedradas e flechadas do destino feroz
    Ou pegar em armas contra o mar de angústias –
    E combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;
    Só isso. E com o sono – dizem – extinguir
    Dores do coração e as mil mazelas naturais
    A que a carne é sujeita; eis uma consumação
    Ardentemente desejável. Morrer – dormir –
    Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
    Os sonhos que hão de vir no sono da morte
    Quando tivermos escapado ao tumulto vital
    Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
    Que dá à desventura uma vida tão longa.
    Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
    A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
    As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
    A prepotência do mando, e o achincalhe
    Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
    Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
    Com um simples punhal? Quem ag- üentaria os fardos,
    Gemendo e suando numa vida servil,
    Senão, porque o terror de alguma coisa após a morte –
    O país não descoberto, de cujos confins
    Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,
    Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
    A fugirmos pra outros que desconhecemos?

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