terça-feira, março 08, 2005

"8"

A luminária balançava devagar fazendo o fio, tencionado, ranger levemente no ponto onde tocava o teto. Paredes vermelho-cereja delimitavam o aposento onde uma mesa longa, perfeitamente envernizada, era coberta pelo verde de um tecido; um mundo de contrastes em um filme de alta sensibilidade. A meia-luz revelava o colo exposto e o contorno perfeito dos seios da garota que iniciara o seu movimento, estremecendo a ordem do mundo. Do outro lado da sala, saindo da penumbra, ele contornava a mesa com movimentos felinos, um sorriso no canto dos lábios e olhos escuros, atentos e brilhantes. Snap! Uma bola corria para a caçapa enquanto a luz continuava a pendular, e levantando da mesa para ela, lentamente, os olhos, ele pronunciou em meio a um sorriso: “_É sua vez”. A luz focara abruptamente em sua mão, segurada com força, um gesto de cortesia tão tentador como o que balançara a luminária. Ela ria tímida afastando, esbaforida, dos lábios a taça de champagne marcada pelo batom e colocando-a de lado junto a sua timidez. Olhou diretamente dentro de seus olhos, caminhou sensual e decididamente de encontro a ele e inclinou-se levemente sobre a mesa enquanto mordia os lábios olhando de canto. Snap! Outra bola atravessava a mesa. Ela levantara sorrindo com um ar de graça que lembrava as pin-ups de Gil Evergreen e com um movimento sutil soltou o coque que prendia seus longos fios castanhos, quase negros. Não precisavam de palavras, os olhos de ambos falavam por eles, inquietos, libidinosos, famintos, olhos que devoravam uns aos outros euforicamente com as pupilas dilatadas. A respiração intensa trazia ar aos pulmões gerando aquela leve cócega no externo, uma sensação que poucas vezes se sente, mas da qual ninguém nunca se esquece. Noite adentro, as bolas foram desaparecendo da mesa, uma após a outra em um ritmo forte e intenso, noite adentro... até o momento onde restara apenas uma. Seus olhares se cruzaram desejosos. A tensão alcançara o seu ápice, o tempo dilatara e Beth Gibbons cantava para eles, distante no rádio.
“ ‘Cause the child roses like,
Try to reveal what I could feel,
And this loneliness,
It just won't leave me alone, oh no.”
Logo, não havia mais bolas na mesa, não havia mais copos, não havia mais chão. Os faróis dos carros iluminavam a vida longe em movimento, em flashes que não alcançavam as janelas. Havia lábios, olhos, cheiros, êxtase. O tecido amortecia os movimentos e a luminária pendulava novamente.

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