segunda-feira, dezembro 19, 2005

Desculpem-me

Após passar uma semana revisando textos de livros didáticos em uma escola infantil venho oficialmente por meio dessa pedir perdão a todas as pessoas que forma de alguma forma ou em algum momento foram responsáveis por mim (e também a algumas das que não foram) ou que de algum modo passaram pela tragédia de ter que me aturar quando pivete. E informo também que agora, ainda mais do que antes, não é de minha intenção perpetrar a vilania de estender o legado de nossa espécie e conseqüentemente submeter alguém à barbárie de ter que cuidar de uma criança. E tenho dito.

Ps.: Aproveito também o embalo para registrar o meu repúdio aos líderes mundiais pelo fato de que o Pacto de Versalles não pronuncie palavra alguma sobre um ato tão reprovável.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Frase Red Dragon da Semana

"Já fui bom nisso..."

Se é que ainda existem dragões...
E o mais engraçado é que essa frase pode ser irônicamente aplicada a qualquer coisa.

sexta-feira, novembro 18, 2005

sexta-feira, novembro 04, 2005

Liberta meu pensamento

Para variar um pouco o nada, esta semana eu tenho a impressão de ter acordado de um torpor de anos, não sei o que me deu e nem se já acabou ou se está por aí ainda. Pode ser apenas uma daquelas piscadas que damos durante a noite enquanto dormimos e das quais muito provavelmente ao acordar não nos recordemos. Mas está aqui agora, um lapso de consciência. Um lapso talvez muito produtivo até (assim espero)... Para variar surgiu do nada, mas acho que não foi bem do nada, foi do vazio, daquela dissonância em mim mesmo que eu odeio, aquela que faz eu me sentir transparente, fútil, inútil. Não sei, acho que ontem por algum instante lendo, ainda que apressadamente, uma HQ que nem valia à pena, perdido na tarde enrolado em um edredom sobre o sofá da sala de alguém de quem gosto muito e que agora sinto remorso de ter atrapalhado, ontem, consegui encontrar um pouco da paz que me foi há muito roubada. Não por nada, apenas porque foi um momento de privacidade da minha alma, um momento aonde me senti inócuo, um momento que pôde me mostrar a ausência e determinar a diferença entre a ânsia de ter que fazer tudo e a meditação inconsciente. É isso, um texto provavelmente confuso e mais do que provavelmente vazio de significado para a maioria das pessoas, perdido entre toneladas de terabites de páginas e arquivos, mas que para mim, ao menos agora, parece significar muito. Como já dizia aquele sábio pintor, a arte não está em saber aonde colocar a tinta na tela, mas em saber aonde não colocá-la. Agora torçamos para que este lapso de consciência, que é na verdade um lapso de inconsciência, porque rompeu a não-existência que a minha mente anda cruzando, possa rasgar o véu diáfano da não-existência que enveredou sobre o meu ser ultimamente fazendo de mim apenas uma casca.

terça-feira, novembro 01, 2005

Redshift*

O sonhar está lentamente voltando a ser uma parte lúgubre do inconsciente de onde saiu... e desta vez talvez volte, talvez por um longo tempo, talvez para sempre. Estou cansando de escrever no vento, estou cansado... Foram três anos escrevendo aqui e nas sombras da canção, o que por vezes me fez feliz e por vezes me fez triste, mas nunca me fez tão solitário quanto tem feito agora. Escrever, antes, era um sonho, depois tornou-se uma brincadeira, um elogio a um modo de pensar e a todas as pessoas que partilhavam dos meus pensamentos. Hoje talvez seja a placa de “bem-vindo” encontrada à porta de algum gueto ou a placa de “aberta a temporada de caça” sobre a toca da raposa. Amanhã talvez seja um pesadelo. A colméia, chamada humanidade, não admite sujeitos diferentes e diferente eu sou, intelectuais estão mais uma vez sendo vistos com maus olhos e logo veremos a fogueira arder. Que seja... A verdade? A verdade talvez seja que o meu Ego não suporta os golpes dos últimos dias, maldita mania de querer ser um herói que só me levou a descobrir que o Ego é um ser perigoso. Só sei que nada sei. E que imbecil pretenso eu fui querendo saber o mundo. Talvez seja a hora de ser um pouco mais inteligente e parar enquanto ainda há tempo.


* Redshift - http://www.on.br/glossario/alfabeto/d/d.html#deslocamentoparaovermelho

quarta-feira, outubro 19, 2005

Mais devaneios

Ando me sentindo perdido nos últimos dias. Bombardeado com várias idéias me sinto como o chão da floresta equatorial, cheio de sementes à espera de um raio de sol para me iluminar, aquecer e fazer florir novas idéias. É uma sensação bastante estranha. Fico procurando motivos que a justifiquem enquanto assisto indignado aos reclames do referendo sobre a comercialização de armas, o que me entristece é que as pessoas esqueçam-se de que gatilhos não disparam sem dedos e dedos não se movam à revelia. Assunto chato e cansativo, mas no que me diz respeito, acho que prefiro votar por uma morte rápida embalada pelo cheiro da pólvora que pela agonia de 13 ou 18 facadas. Juro que eu queria ter o argumento final, juro que gostaria de ter uma resposta definitiva para iluminar à todos nós, párias, descamizados e famintos que continuaremos sem ter dinheiro para comprar arroz, quanto mais um trinta e oito. Mas quem sabe um daqueles tios gordinhos que ocupam os assentos do parlamento não tenham uma boa idéia e, tal qual fizeram impedindo a reprovação dos alunos nos colégios, não nos proíbam de morrer? Ninguém mais morreria, os donos de fábricas de armas poderiam continuar vendendo seus produtos e todos seriamos felizes para todo o sempre. Não importa... Já estamos todos mortos. Morremos quando nos fora negado o esclarecimento, morremos a cada dia um pouco quando nos impedem de dar cabo às trevas de nossa ignorância, morremos porque a despeito do que digam a informação é para todos... todos aqueles que possam pagar por ela. Para os outros resta apenas o marketing.

Ah... Cansei-me... Disse que não ia falar sobre isso e acabei dando com a língua nos dentes... Fico feliz apenas porque só consegui escrever quando não tentei fazê-lo. E talvez seja isso, talvez a minha criatividade esteja empedrada por causa disso. Ou talvez não. A única coisa que sei é que no último mês ganhei uma maravilhosa amiga sereia e ontem ela me fez a pergunta derradeira. Disse-me ela:

_O que você perdeu?

E atônito eu respondi que não sabia. Não sabia e continuo não sabendo, mas perdido está... é um fato.

É isso meus amores, agora tenho lição-de-casa para fazer, então me vou. Peço que me desculpem pela ausência prolongada e por não voltar aqui cheio de histórias divertidas sobre as minhas “férias” na Oktoberfest. Mas por hora está difícil e eu ando bastante preocupado com o meu selvagem companheiro Nihil...

sexta-feira, setembro 30, 2005

Perda de Tempo

2:02am, vagam pela casa eu e os espectros da noite. A luz vinda do quarto no final do corredor espalha pelo resto da casa uma tênue iluminação que tinge com tons de amarelo as cores azuladas da visão noturna. Sigo o corredor a passos calmos, alcanço o quarto com os cabelos molhados começando a formar cachos e, numa retrospectiva de falas perdidas por outrem ao longo do dia, penso quanto tempo perdemos ao longo da vida com preocupações fúteis e assuntos menores sem nunca se dar conta disso. Nesse momento roubo uma hora do meu sono já atrasado pela espera de um visitante ausente para redigir essas parcas linhas. Redijo-as para não perder o costume, redijo-as para cumprir uma promessa feita a mim mesmo, redijo como se esta fosse uma carta endereçada ao meu nome. Enfim, escrevo por motivos diversos, mas retornando ao assunto, perdemos tempo com muitas coisas que, de fato, não interessam. É isso, foi só uma constatação, não pretendo perder muito mais sono para explicar o que deve ou não interessar. O fato é que algumas das coisas que quero estão estagnadas a dias por conta das falsas prioridades a que a vida moderna nos impõe.

sábado, setembro 17, 2005

"Home is where your heart lies, they say."

Não sei quem pronunciou essa frase pela primeira vez, nem quem foram os primeiros a propagá-la, mas gosto de pensar, como decerto deve ser, que esta frase surgiu em meio àqueles homens bravios que singraram o azul desde o princípio das coisas. Pode ser apenas ilusão minha, mas essa é parte de minha natureza de pretenso contador de histórias e tecelão de sonhos. Assim, sonhem comigo. Sonhem porque é na ousadia dos homens que seguem em busca do lugar onde o céu toca o mar que mora a verdade. Sonhem porque embora só os sonhos possam ser assim tão belos, não é preciso fechar os olhos para viver pesadelos. Sejam grandes e audazes, mesmo que isso por vezes signifique arriscar o que lhes é mais caro, como tantos homens e mulheres o fizeram antes de nós. "Be bold - and mighty forces will come to your aid" - Basil King. Porque mesmo se estivermos à deriva, mesmo se tudo o mais der errado, o nosso lar continuará sendo o lugar aonde o nosso coração pertence.

terça-feira, setembro 06, 2005

Paradoxos

Tremeu diante do silêncio, pálido como um defunto em frente à tela azulada do computador. Era ali em seu quarto, mas poderia ser em qualquer necrotério aos sons dos pneus distantes atravessando as ruas molhadas pela chuva que passou. Chuva que também poderia ser ali, dentro de casa, dentro do quarto, debaixo de seus olhos e sobre o seu coração. Só compreende a solidão quem dela sofre. Porque só os solitários sabem o que é sentir o coração apertado, enrijecido pelo frio. Um frio que qualquer um poderia calar exceto eles mesmos. Ser só é como morar em uma casa sem paredes e ser açoitado pelo vento que devora as plantas e agride os corpos com pequenos fragmentos de areia. Desejou, ao menos uma vez na vida, compreender o segredo de não precisar de nada nem de ninguém. Por algum tempo talvez até o tenha compreendido, ou assim acreditava. O segredo das crianças com seus amigos imaginários, o segredo dos velhos que falam sozinhos. A noite avançava cada vez mais fria e ele amaldiçoava a expectativa e o sentimento desperto. Se ele transformara seu coração em pedra o que os outros tinham com isso? Não é o princípio de não sentir dor, o de não causá-la? Ao menos a si próprio... Deixem me então esquecer o que é o amor, porque não se sente falta de alguém a quem se desconhece ou de um lugar onde nunca se esteve.

terça-feira, agosto 30, 2005

Siriris

Os siriris dançam lá fora traçando elipses ao redor da lâmpada que ilumina parte do quintal. E eu que não sinto exatamente fascínio pelo frio fico feliz pelo dia quente que passou. Vou contar uma coisa, é que eu adoro verão. Sim eu adoro, mesmo sabendo que o inverno só acaba daqui a uns vinte e poucos dias, mesmo o dia tendo esse ar de artificialidade, mesmo estando tão abafado que eu mal consiga ouvir meus pensamentos tamanha enxaqueca que esse calor me trouxe. Os dias andam bons, repletos de conversas agradáveis com grandes amigos, o que tem me deixado muito feliz. Coisas de cancerianos...

segunda-feira, agosto 29, 2005

Às mais belas flores

Algumas coisas são mais surpreendentes do que deveriam. É estranho não reconhecer a beleza rara de uma flor. A delicadeza plácida e até um pouco vulgar das pétalas, o modo como elas se atam às sépalas, seus pistilos longos e delineados, o sabor intenso do néctar, o aroma exuberante, as cores vibrantes... Nenhuma flor é igual a outra. Não, cada botão é único em sua pequena existência e a cada florada novos botões abundam sem nunca se repetir.

Eu costumava comprar flores... Grandes gérberas alaranjadas e, às vezes, botões de rosas com suas aveludadas pétalas vermelhas. Foi a um longo tempo, se foi. Eu adorava a situação como um todo de ir até uma banca de flores e escolher lentamente o botão perfeito. De sentir a umidade vinda dos vasos e o cheiro das flores no ar, de ver o florista trabalhar acertando o comprimento do caule e limpando-o dos acúleos. De andar pela rua levando o botão solto e fresco e do olhar poético que as pessoas lançavam sobre mim. E quando chegava ao meu destino eu adorava assistir aos risos florescerem, encantadores, sinceros, profundos, inesquecíveis, únicos.

domingo, agosto 21, 2005

Vômito

Então eu tento fechar a minha cabeça para que as idéias não escapem, não fujam ou se misturem com as outras coisas ao meu redor. Como se todas as coisas no meu quarto fossem pintadas em tinta a óleo e a qualquer momento que eu toque ou olhe para qualquer coisa isso possa se misturar as minhas idéias. Não quero, ou melhor, não posso, não agora pelo menos. Tenho algo importante a pensar, a escrever. Digito olhando para o teclado para não ver absolutamente nada ao meu redor que possa me desconcentrar.
Tudo começou ontem à noite. Fui a uma festa de noivado muito legal de uma amiga minha da faculdade, que me arrependo de não ter conhecido antes, assim como a todas as pessoas com quem atualmente eu falo por lá. É como se depois de todos esses anos o curso tivesse separado o joio do trigo e agora eu possa encontrar pessoas que são como eu. Isso é adorável, embora não queira dizer necessariamente algo além disso. São pessoas como eu sou, nem melhores, nem piores do que as outras pessoas. Na vida carecemos ter pessoas diferentes assim como carecemos ter pessoas minimamente parecidas conosco. Mas às vezes o manto da igualdade esconde diferenças estarrecedoras. Enfim, o meu leitor que me perdoe o raciocínio tortuoso, é que quando passamos por um período de estiagem criativa, nós escritores, temos acessos nos quais vomitamos todas as idéias que nos vêm à mente, tudo o que pensamos, tudo o que sentimos; acessos que queremos, desejamos, precisamos grafar de qualquer modo. Para mim, hoje é um desses dias.
Como eu ia dizendo, ontem fui a essa festa em uma tradicional balada rock n’ roll paulistana. E sob a sensação hospitaleira da fraternidade não consegui evitar me sentir um pouco deslocado por estar entre várias pessoas que conheço a pouco tempo. O que mais uma vez me obriga a interromper para pedir desculpas, pois o fato de serem novos amigos não os diminui de modo algum. A admiração mútua, o tratamento afável que se estabelece entre todos nós é de todo respeitoso e sincero, o que me comove bastante a despeito do fel. O fel é apenas um desconforto fútil que sinto, semelhante a começar um livro pelo seu último capítulo. Como assistir ao final de uma peça identificando-se a um Hamlet cuja paixão se desconhece. É o grito agonizante de alguma sinapse esquizóide em meu cérebro.
Não sei se vocês compreendem o que tento falar, entendo que as sucessivas interrupções narrativas a que eu vos submeto evidênciam o tão pernicioso assunto. Eu falo sobre o medo. Maldito medo que me persegue noites a fio, sombra longilínea que se estende a partir dos meus pés. Queria entender quem me infundiu todo esse medo. Quem... Eu mesmo talvez, tendo me submetido a meia dúzia de relações espúrias que me fizeram apenas mal. Agora eu medro toda vez que recebo um olhar afetuoso, esperando um golpe de chave inglesa por cada sorriso. Não compreendo a mim mesmo. Tenho, às vezes alguns delírios de entendimento, pálidas idéias que não conseguem refletir a realidade. Realidade... E o que é a realidade senão um status mórbido criado por cada um de nós para convenientemente simular o meio e justificar aos nossos atos, a nós e aos nossos imensos umbigos.

terça-feira, agosto 16, 2005

Tum-tum

Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Os latidos dos cães ecoam noite adentro pela vizinhança.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Sem sono... de novo. Fico deitado observando as fotos antigas no mural do outro lado do quarto.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Faz tempo que não o organizo ou a qualquer outra coisa dentro do meu quarto. É como se ele houvesse parado no tempo há um ano, um ano e meio.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Viro para o outro lado e olho a parede. O sono não vem.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Fico olhando a textura da parede, não consigo dormir. Meu coração bate muito alto.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
A minha mente passa por um milhão de coisas sem se fixar em nenhuma, eu fico ouvindo o meu coração bater e bater e bater e me pergunto o que está errado.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Um pernilongo tenta se aproveitar da minha distração, eu logo ligo o veneno no quarto.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Fico com sede, levanto, vou até a cozinha, tomo um copo d’água e na volta vejo o relógio. Faz quase uma hora desde que me deitei e até agora nada, nem mesmo uma boa idéia para escrever. Acho que o tempo que eu tenho passado sozinho está começando a me afetar. Olho admirado para as últimas linhas e me surpreendo como um simples copo d’água faz as linhas correrem mais depressa.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Um gato de rua começa a miar no quintal e o meu cachorro acorda, os latidos deixam de ser apenas ecos; o pernilongo continua vivo em algum lugar.
Sinto que não consigo ter nas pessoas a mesma confiança de antes, não sei por que. Muitas coisas, a falta de escrúpulos da grande maioria que acha que você não nota, pessoas de quem gosto desaparecendo subitamente, opiniões duvidosas.
Silêncio.
Os carros pararam de passar, o gato se foi, meu cão voltou a dormir e os ecos quase cessaram. O meu coração? Parece estar batendo mais rápido e quieto, saudades de alguém que partiu há muito tempo.
As pontas dos meus dedos adormeceram, faltam seis minutos para as 3:00 e parece que a noite vai ser realmente longa.

terça-feira, agosto 09, 2005

Explosão criativa

Os canos secos desde muito tempo não viam água outra senão a da extensa umidade da parede. Um dia foram canos de sistema anti-incêndio outro dia cultivo de ferrugem. O teto baixo e o ar viciado não tornavam o lugar agradável, um lugar perdido, esquecido pelo tempo entre paredes de uma megalópole, abaixo de um prédio qualquer em uma rua qualquer em lugar nenhum. Poças d’água cobriam o chão de concreto criando um espelho perfeito do teto e das paredes cheias de brechas, refletindo um pouco da luz do céu e de uma grande nuvem branca perdida pelo lugar. Mais acima, o edifício abandonado tecia a sua viagem através das décadas, um bloco de cimento com paredes podres, tinta descamando, toneladas de umidade e mofo incrustado na cidade. Ele poderia estar absolutamente sozinho por todo esse tempo, mas ainda assim estava vivo. Comunidades de insetos, fungos, uma samambaia que morava em um buraco nos tijolos, onde um dia esteve fixada a calha, e agora, mais recentemente um homem que acabara de entrar. Ele fechou a porta atrás de si deixando a rua presa do lado de fora e começou a procurar o registro. Verificou se tudo estava em ordem. Removeu o pastoso calhamaço de papel formado pela correspondência velha enfiada por baixo da porta e começou a subir a escada até o andar de cima. Subiu, subiu, subiu os degraus gastos por centenas de pés que ali passaram parando apenas por um instante quando a nuvem cruzou com o sol a luz diminuiu por um instante. Voltou a subir pisando em duas traças que dialogavam amistosamente na curva de outra escada que contornava o prédio por dentro, atravessou uma cozinha vazia e deu com a porta que levava para a varanda exterior inchada pela ação da chuva. Forçou-a e abriu com alguma dificuldade. No exterior havia ainda mais uma escada íngreme que escalava o topo da construção, levando até uma sala extensa e desabitada. O tempo já havia virado, começava a garoar e as gotículas d’água dançavam pelo ar. Parou à porta já do lado de dentro da sala e observou o mundaréu de telhados e antenas de televisores. Ouviu o barulho dos carros que ainda conseguia chegar até ali, embora um pouco abafado, e fechou a porta como se houvesse uma nevasca do lado de fora. Na sala o chão de cimento liso adquiria tons róseos da luz de um filtro vermelho envelhecido preso à janela. Caminhou pela sala funcionalmente amorfa e tentou usar uma pia perdida por ali. Houve primeiro um som agudo e estertorante vindo da torneira, um pouco de vento, um silêncio e a reverberação de dezenas de canos de chumbo balançando, vibrando, agonizando e gritando com um silvo longo do vazio de anos. Era como ser atingido por uma extenuante dor de cabeça em um momento de gozo. E lá embaixo já vazando água pelas juntas o cano arrebentara...

quarta-feira, julho 27, 2005

He Wishes For The Cloths Of Heaven

He Wishes For The Cloths Of Heaven - William Butler Yeats (1865-1939)


Had I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet ;
Tread softly because you tread on my dreams.


O poema que eu mais amo no mundo...

segunda-feira, julho 25, 2005

E um novo dia virá...

O casarão legitimamente português quase do começo do século continuava a sua trajetória através do tempo. O sol brilhava, a tinta de suas paredes externas descascava e, gradualmente, perdia a cor. Era um dia bem quente para um inverno paulistano e nenhuma nuvem cobria o céu que era surpreendentemente azul de ponta a ponta. Todas as coisas estavam cobertas por aquele brilho bem claro da luz da manhã. A casa quente estava toda aberta como dos derradeiros dias de verão. Eram 9:00 horas.
Ele havia acabado de acordar. A luz invadia o quarto pelos frisos da janela fechada. Ele esfregava os pés um no outro por debaixo do lençol e com um leve sorriso no rosto pensava em um café bem ao estilo dos comerciais de margarina. Não precisava de paredes e roupas brancas ou da família toda reunida na mesa, só queria um pão na chapa bem quente e cheio de manteiga, sim, manteiga de verdade, nada de gorduras vegetais e aditivos químicos bizarros, apenas as coisas como elas deveriam ser naturalmente, sem complicações adicionais. A vida pura e simples como ela pode ser... Um pulo do beliche, alguns instantes procurando por uma camiseta no armário e um dia novo pela frente. Atravessou um corredor e a sala vazia parando apenas para ligar o rádio e constatar que estava sozinho. O som alto ecoou pela casa e o rock clássico dos anos 80 realçou seu entusiasmo fazendo-o lembrar das antigas fitas K-7 que suas irmãs levavam para viajar quando criança. Por um instante o sol brilhou mais forte e uma brisa iniciou um farfalhar de folhas, o céu reverberou mais azul e o verde das folhas tornou-se infinitamente mais verde. Alguns instantes em frente ao fogão, um copo de leite e estava pronto o seu café alto-astral. Juntou os pães sobre um prato, pegou todos os utensílios de que precisaria e com as mãos cheias atravessou o corredor de volta à sala onde o lilás de uma orquídea sobre a mesa em seu centro invadiu os seus sentidos. Naquele breve instante em que ele se fez confuso, mãos delicadas cobriram-lhe os olhos e o cheiro dela preencheu seus pulmões. Seu coração disparou e a surpresa se fez completa.

segunda-feira, julho 18, 2005

Registro Geral número...

Estou com algumas idéias bem legais para escrever, mas descobri que às vezes inspiração não é o bastante. Não sei, ando me estranhando. Ando triste, preocupado com zilhões de coisas que talvez não sejam nada, mas o que acho estranho é estar curiosamente sereno. Não o tempo todo, mas quando necessário ao menos. É verdade, estou até espantado, de repente é como se não fosse mais eu... Tem horas que você deixa de tentar ser para ser simplesmente ou ser apenas. O segundo é o meu caso. Será que a serenidade vem da falta de expectativas? Será que isso é bom? Será que não? Odeio quando os dias passam a ser apenas uma seqüência de tempo vazia, sem significado.

segunda-feira, julho 11, 2005

Pesadelo

Pare e esvazie sua mente.
Feixe a porta que separa a sua consciência do mundo exterior deixando todos os sons do lado de fora.
Respire devagar e profundamente por três vezes.
E só então leia.

Imagine o terror de acordar de um pesadelo que te assombrou a noite toda. Uma noite azul, escura, quase negra e fria... Absolutamente fria. A respiração ofegante, o suor frio a escorrer salgado sobre a face depositando-se em suas sobrancelhas a ponto de fazê-las pesar mais que o mundo. Um pesadelo que te fizeste correr o céu durante a noite toda, dilacerando teus pés descalços em um chão metálico de pontas de agulhas partidas, molhadas e frias raspando teus ossos. Uma corrida interminável e tão agitada quando o desespero dos últimos grãos de areia de uma ampulheta tentando não cair pelo buraco. Imagine o cansaço queimando os pulmões como se eles estivessem repletos de ácido invadir o teu corpo, aquele mesmo cansaço que surge diante da exaustão, que salga a boca por baixo da língua e que traz à tona a vertigem. Imagine o céu girando em falso sob os teus pés e deixando-te imóvel na estratosfera enquanto chega a aurora. Os primeiros raios de sol despontando no horizonte revelando a silhueta distante daquilo que tu persegues, raios que irão queimar-te antes que o alcance. Raios estes a mostrar que tu passaste a noite toda correndo senão atrás de você mesmo como o cão corre bobo atrás do próprio rabo. Imagine acordar, sentar na cama gelado enquanto alguém se aproxima a passos lentos, assistir inerte e cansado a esse alguém se declinar aos teus pés e ser flagrado por um tênue facho de luz no instante em que se abaixa revelando que é você. E que seja o que for, pesadelo ou realidade, ainda não acabou.

sexta-feira, julho 08, 2005

Animaniacs

Tá, os meus textos andam péssimos comparados com os de novembro/desembro de 2004. Eu preciso sentar e escrever com calma, mas enquanto isso não acontece olha só o que a gente encontra depois de uma inocente busca por fotos dos "Animaniacs" no google:

http://www.gandalf23.com/LoAPictures1.html

O destaque, é lógico, é para a foto intitulada Animaniacs... mas a dos Scuds também é ótima.

Divirtam-se!

quinta-feira, julho 07, 2005

MAC

Dizem que em nenhum outro lugar faz o clima de São Paulo... Talvez em Londres, mas acho que não ou então alguém já teria dito isso, talvez no inferno... Hora garoa e esfria, hora chove e esfria, hora simplesmente esfria. Enfim, está um frio dos diabos. Estão dizendo que hoje irá fazer 3 graus de madrugada e quando era 15:00 eu já estava na rua congelando. Precisei ir até a faculdade buscar um documento, feliz da vida por atravessar a cidade com esse frio todo. Não reclamo por ter de sair de casa, foi bom. Já estou cansado dessa vida de tartaruga de aquário. E foi tão bom que eu até aproveitei para corrigir uma falha de quatro anos de idade. Fui ao MAC ver a exposição do acervo. Da minha parte posso dizer que me diverti muito, da parte da minha companhia... que companhia? Os guardas do museu também se divertiram bastante. Com a exceção de meia dúzia de pessoas sentadas em um canto conversando, de um senhor estrangeiro em uma cadeira de rodas e de uma garota tímida e lindamente vestida com uma jaqueta vermelha de veludo, uma saia um pouco abaixo do joelho e uma sandália combinando, tudo em um estilo meio anos 60, eles não devem ter visto mais ninguém o dia todo. Deve até ter sido o dia de sorte de um deles, tivemos uma conversa de uns 10 minutos que eu devo dizer foi a mais agradável conversa que eu tive nos últimos dias. Nunca vi um segurança tão animado, caloroso e simpático. Fazia muito tempo que eu queria ir a uma exposição, pena que o MAC seja um dos poucos museus que não se paga para entrar.

quinta-feira, junho 30, 2005

Análise político-sintática

Eu gostaria que isso não parecesse um conto, até porque eu sei que em pouco tempo é o que vai parecer. Mas creio que não há muito que eu possa fazer à respeito. Peço que todos os atores, autores, teatrólogos e afins me perdoem, mas quando assisto uma notícia sobre política no jornal tenho a verdadeira impressão de estar no teatro. Eu sei que é injusto dizer isso, o teatro realmente não merece a comparação com algo tão vil quanto à política, mas é que de novela o povo gosta e talvez, por isso, de política também. Talvez seja pela onipotência da trama, dos personagens... Eu realmente não entendo, mas também não me preocupo, sei que o povo está bem representado no parlamento! Temos lá deputados que passam fome, senadores que moram em favelas, legisladores que vivem de salário mínimo e cujos filhos menores trabalham em carvoarias no cerrado, temos também larápios e mentirosos. Quem não mente não é mesmo? E para os casos explicitamente destoantes não há nada que uma renúncia não corrija... Enfim, deixemos de lado as ovações quanto há ocupação tão nobre e vamos ao conto! Digo ao caso!

Estava eu tranqüilamente almoçando e assistindo ao jornal, um dia desses na semana passada e veio a estarrecedora notícia: O site do partido do presidente (que todos sabemos trata-se de uma organização pública e governamental) acusava a oposição de golpista. Estava armado o escândalo, a mídia logo começou a apurar aos fatos e a entrevistar alarmados representantes dos partidos de oposição no planalto. O primeiro representante logo disse: “É sabido que nosso partido nunca participou do golpe neste país, para tanto, basta apenas observar a história. Sempre fomos contra o golpe!”. O representante do segundo partido logo esbravejou: “Não sabemos de golpe nenhum, se o governo afirma que somos golpistas o governo deve mostrar as provas!”. O representante do terceiro partido pronunciou-se com toda a autoridade: “Golpe? Queremos saber a qual golpe que o governo se refere! O governo precisa dizer de qual golpe está falando”.
Sabe, na qualidade de estudante de língua portuguesa me reservo o direito de continuar odiando sintaxe, mas eu ainda adoro a parte sobre as ambigüidades!

sábado, junho 25, 2005

Vermelha

Vermelha.
Perfeitamente vermelha escura.
Deslizara pelo branco aveludado, lentamente, ora atrasada pelos pequenos pelos, ora correndo mais de pressa até a borda onde se debruçara com um brilho vivo, intenso, furtivo, balançara, pulsara, pendera e caíra. Viajando por centenas de longos instantes pelo ar, perdida, redonda e vermelha.
O tempo parara. Algumas vezes pestanejava, caía em um sono longo, etéreo e instantâneo, visitava pradarias, bosques, montanhas e ia muito além. O cheiro de madeira invadia as narinas, as extremidades do corpo reclamavam frias, as mãos ásperas falhavam, vacilava... E o sono perseverava mais forte que tudo, disputava, tentava acordar, piscava forte contra o sono dos justos. Às vezes um raio de luz refletido no copo de vidro que ia e voltava saltando os frisos do assoalho de madeira alcançava a gigantesca pupila dilatada que não precisava mais esconder-se atrás da pálpebra para sonhar. Alçara vôo sobre dois mundos. De súbito todas as cores ganharam um brilho forte, sobrenatural, como se a tinta do quadro borrasse em milhares de tons impressionistas. Não havia mais extremidades e cada cor era feita de milhares de outras, estava dentro de um quadro. Em um átimo de segundo sentiu-se finalmente livre, o corpo parou de lutar, os músculos cederam, a consciência deu lugar à inconsciência.
Acordara bruscamente com o estardalhaço. Eram milhares de gotas vermelhas a surgir da derradeira que despedaçara-se ao encontrar com a água, multiplicando o impacto e o efeito do vermelho vivo diluindo e desaparecendo no líquido transparente. O estrago já havia sido feito. O vermelho escorria sobre o cavalete e o chão misturando o seu forte odor ao do vinho. A tela branca possuía agora manchas produzidas por um efeito errático. Rorschach.

segunda-feira, junho 20, 2005

Conhecendo gente pela net

Hoje notei uma coisa a meu respeito com a curiosidade de um pássaro que nota que as folhas das árvores são verdes. Eu sou um desses raros casos de pessoas que não conheceram ninguém pela net. Pois é, sou obrigado a confessar com a impressão de que deve ser essa a mesma sensação de um pescador que nunca viu o mar:
_O que? Azul? Azul e grande?? Azul, grande e até o lugar onde o horizonte alcança o céu???
E eu:
_Assim? Completamente estranho, alheio e desconhecido???
Nunca. Nem ao vivo, nem a cores, nem por e-mail e nem por pulso telefônico, quem dera por carta registrada. Não houve MSN, Orkut ou afim que realizasse tal tarefa hercúlea com êxito, nunca deu certo. Aliás, isso é mais que estranho já que tenho amigos realmente bons nisso, alguns beirando o profissionalismo, atravessando barreiras alfandegárias, fusos, meridianos, quiçá planetas.
As Minhas melhores tentativas (diga-se de passagem, já bem caducas) foram em alguns Chats. Algo quase que pré-internético. Lembro como se fosse ontem daqueles dias da aurora da net, eu passava as noites na casa de alguns amigos e olhávamos espantados pela janela do apartamento um dos vizinhos atravessar a noite debruçado no teclado, provavelmente em algum Chat. Algumas vezes disputávamos o computador, tudo por essa chance dourada de encontrar alguém. Parecia algo milagroso como se equilibrar vendado num monociclo com um pedaço de bambu sobre uma linha telefônica de um lado a outro da rua guiado pela voz de outra pessoa (na verdade nem a voz) ou como mandar uma mensagem numa garrafa e obter uma resposta. Tentei uma dúzia de vezes quando me senti sozinho em casa chegando perto de manter algum contato regular com alguém umas três ou quatro vezes. No fim aquelas que não frustraram frente a alguma ideologia fundamentalista dos candidatos caíram por terra junto à conexão telefônica. Depois disso desisti por um tempo e nunca mais cheguei a tentar com tanta seriedade.
Agora ando tentando novamente com a disposição de um radioamador transmitindo em CW (Morse), às vezes tenho a impressão de que sou demasiadamente estranho para que isso dê certo, às vezes me pergunto quem não o é... Talvez seja só falta de sorte, ou talvez meu estilo seja apenas old fashioned... Hoje conversei pela primeira vez com uma garota simpática que acabei de conhecer no Orkut, até comentei sobre essa minha característica. Ela me disse que conhecera a maioria de seus amigos pela Internet, foi um momento engraçado, como se o último Neanderthal encontrasse o primeiro Homo Sapiens. Quem sabe amanhã ou depois não conversaremos de novo?

domingo, junho 12, 2005

Inconsistência

Hoje, por alguns momentos logo que me levantei, quase não me lembrei ser o dia dos namorados. Dia dos namorados... hunf... Acho que absorvi as idéias de uma velha amiga minha contra esse dia. Foram alguns poucos instantes de felicidade até me lembrar do dia de hoje e exercer o meu humor tipicamente canceriano.
Não é um dia muito bom esse, me faz lembrar de outras dessas datas que se restringem a fatos, como aniversários de namoro. Um dia eu gostei muito de aniversários de namoro, não por pieguice, apenas por que me divertia com isso. Hoje adquiri um certo pavor da idéia, não gosto nem de pensar no assunto porque algumas pessoas vêem essas ocasiões como doença, vislumbre... e porque não dizer como gnomos? Sim, gnomos, frutos de uma imaginação fértil em busca de uma manifestação encantada da realidade... essas coisas que satisfazem perguntas sobre quem somos e de onde viemos e sobre as quais as pessoas tem uma obsessão. Pessoalmente prefiro não dizer o que penso sobre gnomos, já tive minha cota deles na vida, nada contra, apenas prefiro pensar em ações físicas e mais ordinárias para resolver os meus problemas. Acho que isso me matou o gosto por essas ocasiões, essa capacidade humana de enxergar “o mal” em tudo que existe, que mesmo quando ignoradamente manifesta sempre se vê um fundinho lá no canto dos olhos (e da qual, infelizmente, eu também não sou isento).
Quando eu penso no dia dos namorados não consigo um bom motivo para comemorá-lo, embora eu não adore a cultura estadunidense, penso que o Valentine’s day é melhor nisso, pois ao comemorar também as amizades acaba sendo uma comemoração do afeto humano. De qualquer forma não estamos nos EUA, eu só devo ver os meus melhores amigos daqui a uns quinze dias e as minhas tentativas de aumentar o meu número de amizades tem sido no mínimo frustrantes. E pensando diretamente no assunto, eu sou impossível de se namorar, as pessoas consideram meus gostos estranhos, minhas idéias chocantes, meus atos provocantes. Lembro até de uma garota que me disse que eu sou melhor amante do que namorado. Acho que ela esta certa, sou melhor diversão para uma noite do que para um inverno. Moral da história o dia fica assim, com essa cara estranha, uma espécie de lembrança ridícula da quantidade de relacionamentos malfadados que tive (aos quais somam-se numerosas amizades) e da minha inconsistência como objeto de namoro. Eu nem sei porque ainda fico me lembrando disso já que vai ser só mais um dia trancado em casa no computador, o que acontece todos os dias...

quinta-feira, junho 02, 2005

Mea culpa

Olho para o lado e vejo no mural um recado que anotei com uma letra tão alegre e falsa que não consigo crer na minha hipocrisia, um convite para um lugar aonde eu não quero ir, encontrar pessoas que um dia foram muito importantes para mim e hoje não passam de nomes em uma agenda. Mas dei minha palavra que irei, e a minha palavra continua sendo algo muito importante para mim. Acho que isso deve alegrar um rosto ou dois, mas quando penso nas minhas razões para estar lá não consigo conceber nenhum motivo realmente decente.
Chame de rancor, chame de decepção, chame de abandono, chame do que quiser, não me importo. Já me importei muito e por um tempo longo demais, naquela época ninguém se importava. Hoje eu não quero mais, me tornei outra pessoa, embora o que eu sinto e estou preste a escrever nunca tenha mudado.
Chamem-me de cão raivoso. Chamem-me porque ladro, não consigo aceitar o abandono, nem negar o ódio que sinto por permitir que aqueles que amo tenham um dia me machucado.
Chamem-me de teimoso porque eu não consigo dar novas chances para aqueles que me abandonaram um dia. Porque não consigo dar outro nome a isso senão traição. Embora machucados aconteçam, mesmo sem querer, há feridas que não cicatrizam, como a traição de um amigo.
Sinto-me pequeno por tudo isso e culpado porque, apesar do crime não ser meu, não sei se posso perdoá-los; embora eu acredite ser capaz, não consigo dar uma nova chance para ser apunhalado. E seria isso perdoar? Confiar desconfiando? Ou seria estupidez esperar encontrar a redenção onde ela pode não existir?
Minha estupidez me envergonha, assim como a minha falta de confiança em que eu possa ser forte e sábio para passar por tudo isso sem cometer o erro de atribuir as pessoas valor outro que não o seu real.

segunda-feira, maio 30, 2005

Passagem rápida

Pega a moto, põe o capacete, dirige alguns minutos vê alguns amigos...
Passa algumas horas, termina sem demora, sente o gosto e a saudade...
Termina, sente falta, acaba, volta, acorda, enrola, pisca, passa a hora...
Sai a chuva, raia o dia, olha lá fora o frio que se enrosca aos artelhos...
Passa a manhã, tarde, noite, passa dias, vontade, fúria, paixão, vazio...
Vazio, vazio, vazio...
Passa triste, a sós, baixinho, devagar, devagarinho, só naquele instante...
Naquele ocasional instante que alguém convencionou chamar de vida.

quarta-feira, maio 25, 2005

Seria tudo isso apenas brincar com demônios?

A água corria por entre as telhas e gotejava no forro velho carregado de cupins. Além do barulho, arrastava o pó de anos e descia escorrendo pelas paredes marcando-as com tons amarelados e marrons. Havia passado das sete horas há não muito tempo e a chuva que durara a noite toda não havia cedido um milímetro sequer. O assoalho trepidava com os ônibus a passar pela rua e o sono já se debatia tentando abandonar o corpo. Como era de praxe, ele mexera-se muito durante a noite e os pés frios tentavam insistentemente encontrar alguma parte do cobertor para esquentarem-se sem chutar de forma estúpida a gata para fora da cama. Poucos dias haviam se passado desde que fora demitido, mas o tempo já havia começado a jogar seus jogos e ele não fazia idéia de que dia era aquele. Tateou o criado mudo acordando irritado com as goteiras que o lembravam das contas para vencer e praguejou algo contra o mundo. Encontrara apenas a caixa vazia do antidepressivo que havia acabado meses atrás quando teve que optar entre as contas que podia pagar. Péssima idéia, pensava ele agora.

sexta-feira, maio 20, 2005

Paisagem

Contemplo o vazio na ausência do som dos carros. Algumas pessoas vão passando devagar, atravessando a paisagem distante, caminhando daqui para ali, pequenas, tal qual formigas. Sentadas, duas moças dividem comigo o extenso tapete verde que a grama forma atrás do prédio da reitoria onde, ocasionalmente, erguem-se algumas árvores em direção ao céu. As cores vão mudando lentamente, as sombras vão tornando-se penumbras e a lua vai subindo para o azimute enquanto a luz mingua. Pouco a pouco o cenário vai mudando e eu tento capturar essa imagem em minha mente com a futilidade de quem constrói um castelo de areia disputando espaço com as ondas na ponta da praia. Enquanto isso, alguns carros trafegam já com as luzes acesas, os alunos vão chegando lentamente para o turno de aulas da noite e alguns pássaros cantam e brincam. O silêncio é arrebatador. Não o simples silêncio que se deita sobre este lugar mais calmo, mas o silêncio da ausência de vozes conhecidas, das gargalhadas esquecidas e das amizades ausentes. O sol de súbito faz um último esforço no final da abóbada celeste para tingir de amarelo o gramado refletindo-se nas nuvens. Não sei, não sei mais se é de amarelo ou laranja, nem sei se é no outono que estamos ou que dia é hoje. Hoje é só mais um dia qualquer, igual a todos os outros dias. Os dias são iguais há muito tempo e se eu não soubesse que estou aqui, já não saberia mais nada. As luzes dos prédios começam a pipocar entre as janelas dispersas e daqui a pouco a luz do dia terá partido completamente me deixando sem ter como escrever mais hoje. As letras irão embasando, ao papel se misturando e pouco a pouco o silêncio se fará completo.

quarta-feira, maio 11, 2005

Ops... parece que é a minha vez...

Antes de soltar o texto uma pequena explanação: hoje foi meu último dia de trabalho no Sub e essa foi a carta que escrevi para me despedir de todos por lá. Nos próximos dias acredito que vocês assistirão a atualizações mais freqüentes, já que uma das coisas que estava dificultando isso era o fato de terem bloqueado o blog no meu antigo trabalho. Assim, deixarei maiores considerações para mais tarde, por hora, divirtam-se com a carta, que eu acho, ficou muito legal. Segue o texto:


Assunto: Ops... parece que é a minha vez...

Olá,

Lembra de quando éramos crianças, no colégio, correndo pulando e brincando? Daquela vez que íamos apresentar aquela peça de teatro e você perdeu a deixa para entrar no palco? Pois é... essa é a minha deixa. É hora de deixar as luzes do palco.

Pouco mais de um ano se passou e foi um ano e tanto. Tantas novidades, tantas amizades, tantas coisas e tão rápido... Mal o luzeiro do céu deitara e se levantara, era ainda ontem, quando eu entrei por aquele portão cheio de guardas, em um terno preto, para a entrevista. E logo após isso veio o primeiro dia, o dia que começou comigo sentado na copa esperando a minha nova chefe chegar e terminou sobre uma mesa vestido com aquela roupa estranha ao som de Conga. Não foi há muito tempo, o primeiro de tantos dias em que sentei eu e a minha pena no meio da passagem no Comercial e escrevi sobre aqueles sonhos que os homens projetam sobre telas. Nesse meio tempo houveram demandas diversas, empreitadas em feiras de anime, houveram dias etiquetando brindes, textos para a loja de bebês e quebra-galhos em e-mails do marketing. Houvera até aquela vez em que me vesti de mergulhador para um certo trabalho de graduação e uma divertida entrevista de onze páginas para o jornal. Mas nem tudo foi trabalho, foram almoços no Seiva, no Wall e no West, pasteis até, teve até petit-gateau! E as barras de chocolate que escondemos do Tuba por muito tempo! Você se lembra?

Espere... você ouviu? É a minha deixa de novo! Já estou atrasado e ainda nem falei nada, não disse sobre tudo o que aprendi e, mais importante, sobre os amigos que ganhei e, espero, levarei comigo para a vida. Sabe como é, não sou bom com essas coisas de despedida, já estou nervoso, trêmulo, erro os toques no teclado. A respiração falta, fica presa lá no fundo do peito e os olhos marejam.... se quer enxergo as letras borradas...

Perdoem-me a emotividade... já não consigo mais escrever...

Deixarei, na minha boca, que o canto das palavras de outro poeta terminem o ato. É chegada a hora... obrigado a todos por tudo e até breve...

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Vinícius de Morais in livro de Sonetos)


Ps.: Escreva-me!

quinta-feira, abril 28, 2005

Nunca subestime a capacidade de um ser humano em ser um filho da put4

Pois bem, creio que há um longo tempo seja de domínio público o fato de eu estar odiando o meu trabalho. Digo estar odiando e não odiar, pois houve um tempo em que eu o amava e que, a despeito de eu não acreditar que isso possa algum dia voltar a ser assim, ainda considero o caráter deste sentimento transitório. Isso tudo se deu por aquele tipo de mudanças que mexem com as pessoas, mudando regras, acordos e rotinas já estabelecidas em prol do lucro. Lógico que essas mudanças terão um impacto positivo sobre os trabalhos da empresa há médio prazo, mas geralmente esse é o tipo de coisa que despreza o bem-estar dos funcionários. E é nessa situação em que me encontro, agora realizo o trabalho que antes era feito por duas pessoas e sendo um estagiário, não realizo o que me era mais caro, aprender algo novo. Em lugar disso, copio as informações das embalagens de diversos produtos para o sistema em uma espécie de linha de produção que poderia usar crianças de 7 anos ou macacos sem qualquer defasagem qualitativa dos trabalhos. Depois de vários dias trabalhando sem o menor gosto consegui fazer algum estrago na cadeia produtiva e por isso acabei ouvindo muito, desesperando algumas pessoas, recebendo uma ou duas ameaças e não mais do que isso. Mas sei que esse tipo de comportamento, além de não me ser agradável, não irá me levar há lugar algum. Então nessa maldita manhã gélida de inverno, que embora seja outono, ninguém consegue me dissuadir do contrário, logo após o final de uma pequena brincadeira de “cabo de guerra” com relação a alguns problemas no trabalho, dei-me conta de algo. E antes de explicar-vos esta primorosa idéia, faz-se necessária uma pequena explicação. Eu não possuo uma religião vigente e os meus escrúpulos devem-se apenas há anos vivendo sob um certo código de honra que me é bastante caro. E embora eu seja uma pessoa direita, estou tão longe de ser um parvo quanto de ser um santo. Acontece que o ser humano é como uma ave Cuco, que espera uma outra ave sair do ninho para devorar-lhe os ovos e, no lugar, deixar os seus para serem criados pelo outro. E é aproveitando-me disso que começarei um plano diabólico. Hoje transformo o meu desgosto no espírito da vingança. Valho-me de uma certa incompetência de nossos parceiros de trabalho para tanto e da natureza caótica do ser humano. Só existe uma coisa pior do que um funcionário ruim, um funcionário bom... e obcecado. Pois um funcionário ruim pode ser demitido, enquanto um funcionário Caxias é perene e intocável... e ambos são bastante incômodos. É assim que irei tornar maldita a existência de meus “colaboradores”, em cada um de seus deslizes eu estarei lá para lhes apontar as falhas, transformarei o meu trabalho na execução do Santo Ofício e dedicarei os meus esforços na perseguição daquela preguiça pública humana até levar-lhes a loucura ou obter a redenção. Já posso vê-los tremer ante a minha presença e desviar seus olhares nos corredores. Posso ouvir seus lamentos a cada e-mail meu recebido e suas suplicas para que eles parem de chegar. Pilhas de requisições malditas e trabalhosas em nome daquilo que alguns chamam “Qualidade” e outros “Transtorno Obsessivo Compulsivo” suceder-se-ão junto ao deleite do estalar do chicote. E a cada noite suas preces objetarão a mim, implorando para que eu vá embora. Que eles me amaldiçoem, me chamem de nomes, que me desejem distante e assim, o que é cômodo tornar-se-á incomodo e mais depressa do que eles me jogaram aqui neste inferno eles hão de me dar o que desejo: A promoção.

quinta-feira, abril 14, 2005

E você? Sabe qual foi o crime do Padre Amaro?

Para ser lido ao som do reclame de Azeite Galo.

Este é uma curta demonstração de indignação frente a um professor com idéias absurdas e uma ode a um almoço muito agradável. Conversar com o Buck sempre é muito bacana, a conversa flui, a criatividade também e eu sempre acabo tendo novas idéias para escrever. Eu estava justamente comentando com ele o absurdo que é o meu professor de Literatura Portuguesa I aplicar provas de controle de leitura. Isso mesmo, aquelas provinhas que os professores davam para a gente no finado primário, conhecido hoje como Fundamental I, com aquelas perguntas do tipo “Qual a profissão de Amaro?” que servem única e exclusivamente para saber se o aluno leu o livro. Bom, por falta de uma ele vai aplicar duas, ou melhor, a primeira foi na semana passada, sobre o bendito do Padre (e eu a perdi), e a segunda, sobre “Os Maias” (não os índios, os portugueses que viraram outra droga de novela) eu não faço idéia de quando será. Como se não bastasse o vexame, se eu não fizer nenhuma das duas ele vai me reprovar direto. Pode uma coisa dessas? Eu, adulto e trabalhador que sou, além de ter que agüentar as atividades de 4 série que me são impostas no meu trabalho, agora tenho um professor que acha que eu tenho 7 anos de idade. Tanta coisa para se investir e o cara quer aplicar em um curso de graduação uma prova dessas! Eu até entendo a boa intenção dele querer forçar os alunos dele a realmente ler os título, é necessário, mas não paga as minhas contas, muito menos a aspirina que isso vai me fazer tomar. Porque ele simplesmente não faz como todos os outros professores que lêem e discutem o texto em aula? Confesso, eu não li “O Crime do Padre Amaro” e não li muitos outros livros que deveria ter lido, mas em um país onde é proibido reprovar o aluno (o que não me desce e nem vai me descer) é isso que vão fazer com o aluno? Qual o próximo passo? Ler Ruth Rocha na Pós?

Esta história é verídica.
Atualmente Buck trabalha para o governo (de verdade!) e alopra professoras de sociologia em faculdades de direita.
Os Maias agonizam no túmulo junto com o Eça, seu criador, tanto os índios, como os portugueses depois de mais uma adaptação “Global”.
O Azeite Galo auxilia a produção de posts subversivos como este, não me pergunte porque, só sei que era o que cantávamos quando saímos do restaurante... “Ó Rama de oliveira...”.
O Crime do Padre Amaro eu não sei, mas eu e o Buck supomos que seja o de sempre, ele comeu alguém! Ou você já ouviu falar de padre formador de quadrilha?
E atualmente o autor deste texto cria estratégias para matar aulas e trabalho para saber mais sobre os coitados dos índios, digo, Os Maias, enquanto espera que este texto possa tornar mais divertido o dia de alguém.

sexta-feira, abril 01, 2005

Além do tempo e do espaço

Eu sempre me perguntava assistindo a todos aqueles desenhos quando jovem, aonde ou o que era a tal bendita 4 dimensão. Sabe, aquele tipo de pergunta que as crianças fazem e que os pais não sabem direito responder e ficam se perguntando: “_Porque Catso esse moleque encanou nisso?”. É, ninguém nunca soube me responder, e eu também não insisti tanto. Pra falar a verdade acho que essa foi uma daquelas perguntas que nunca venceu a gravidade da minha cabeça, não me lembro de ter perguntado isso para alguém. Passou muito tempo até que outro dia, viajando por aí em um hipertexto daqueles que só nerds conseguem ler descobri que um tal de Einstein havia dito que a 4 dimensão, nada mais é do que as três coordenadas espaciais já conhecidas (o tal do x,y,z cartesiano) com uma quarta que é o tempo. Mais o engraçado é pensar que às vezes nossa mente se comporta assim.

“When you are born you're afraid of the darkness
And then you're afraid of the light
But I'm not afraid when I dance with my shadow”

Eu tento digitar meu trabalho no computador, mas como posso se eu não estou aqui? Estou agora perdido em algum lugar entre amanhã e ontem, ouvindo Pear Jam, cantando Aerosmith, olhando o meu trabalho e escrevendo este texto. Se você acha que sou louco, não ache, isso é um fato, você chegou atrasado. Não vem ao caso.
A sala onde estou tem horríveis paredes sujas, pintadas de cinza, azul e amarelo, e é retangular com várias colunas de concreto ladeando as paredes. Uma alcova à minha frente guarda um extintor de incêndio com a classificação inapropriada para o ambiente, inútil caso algo aconteça, ventiladores estão espalhados pelos cantos e no centro diversas mesas juntam-se lado a lado de frente umas para as outras, formando um grande retângulo cheio de computadores, a maioria velhos. Uma planta enorme permanece em cativeiro junto à parede quase atrás de mim, suas folhas parecem começar a amarelar e eu penso que por melhor que seja ter uma planta aqui, é um crime condená-la a luz dos cátodos e a não mais ver o sol, e se isso é cruel com ela imagine conosco. A minha mesa é um pouco curta e bagunçada, nunca encontro nada no mesmo lugar, pois as faxineiras fazem uma zona gigante quando pseudolimpam-na. Porém, nada disso me parece real, e será que é realmente? Eu poderia lhes descrever o que vejo que não é nada disso, paredes de pedra, tatames, mas creio que vocês hão de concordar comigo: não carece...

“Oh yeah she's got that kind of love incense
That lives in her back room
And when it mixes with the funk my friend
It turns into perfume”

No lugar desta realidade torta, mórbida e cansativa que me permeia, minha mente me carrega para paisagens mais agradáveis, arrastada, em verdade, por um certo perfume, uma pele macia, uma doce saliva e uma voz deliciosa. Sinto-me até um pouco tolo, pois, neste instante em que eu não estou aqui, minha mente é mantida prisioneira de bom grado. Ela jaz atada a seu corpo, como uma das contas vermelhas de um colar que mora em seu peito. Mas isso tudo está muito longe de ser uma prisão.

“She a friend of mine
She a concubine
The sweetest wine
I gotta make her mine”

terça-feira, março 29, 2005

Boa noite e boa viagem.

Não é novidade que ando com dificuldade para escrever, os assuntos sumiram, as publicações minguaram, vários textos disputam a minha atenção para serem terminados e eu não consigo achar nenhum digno de nota. Nenhum. Acredito que tenho escrito melhor, mas dada hora eles travam, não descem...
É, já contei algumas vezes que escrevemos sempre para alguém, e acho que eu estou numa dessas épocas em que eu não sei para quem escrevo. Assim decidi escrever este texto para as pessoas que não mais estão aqui. Não, não estou falando de mortos e de cemitérios, mas daquelas pessoas que por um breve instante da eternidade, significaram muito para mim, mas que, por um motivo ou outro, seguiram estradas diferentes.
Tento me segurar, mas o sarcasmo que herdei com o meu sangue não me permite o silêncio: existem aqueles que pegam estradas diferentes e aqueles que deliberadamente as escolhem, mesmo que não queiram acreditar nisso ou simplesmente não o admitam. E é óbvio que este texto fala sobre o segundo tipo de pessoas.
Paro, olho para o teclado, olho em volta e percebo que chegara o momento no qual todos os meus textos parecem estar empacando ultimamente, logo após sua introdução. Mas este é um dos que eu tenho que enfrentar, por mim e por mais ninguém. Não acho que alguma das pessoas em quem estou pensando agora venham a ler este texto algum dia, esta é uma possibilidade remota, então não é isso o que tenta me impedir e sim o apego. A verdade é que eu decidi parar de lutar contra as vontades alheias. Querem ir? Vão... e tenham a minha benção. Sim, estou chateado com isso, sim me sinto ofendido, abandonado talvez. Mas de todas as coisas sobre gostar das pessoas, talvez esta seja a mais certa: embora amor não se meça, as pessoas não se gostam igualmente e muitas vezes você irá gostar mais de alguém do que este alguém de você, bem como muitas pessoas gostaram de você bem mais do que você delas, talvez bem mais do que você ame a si mesmo. Entendam como quiser, esta não é uma carta de alforria, não existem correntes com as quais eu prenda as pessoas, ou qualquer forma de posse que eu estabeleça, e tendo estas pessoas todas partido já há algum tempo isto reforça a minha afirmação. Este é apenas um desejo sincero de uma boa viagem vida à fora.
Gostaria que este texto me fizesse sentir mais leve, que purgasse meus pecados, minhas hereges paixões e que extinguisse as minhas saudades. Infelizmente ele não é capaz disso, então aqui eu o encerro e me entrego para os braços da escuridão de mais uma noite sem estrelas.

terça-feira, março 08, 2005

"8"

A luminária balançava devagar fazendo o fio, tencionado, ranger levemente no ponto onde tocava o teto. Paredes vermelho-cereja delimitavam o aposento onde uma mesa longa, perfeitamente envernizada, era coberta pelo verde de um tecido; um mundo de contrastes em um filme de alta sensibilidade. A meia-luz revelava o colo exposto e o contorno perfeito dos seios da garota que iniciara o seu movimento, estremecendo a ordem do mundo. Do outro lado da sala, saindo da penumbra, ele contornava a mesa com movimentos felinos, um sorriso no canto dos lábios e olhos escuros, atentos e brilhantes. Snap! Uma bola corria para a caçapa enquanto a luz continuava a pendular, e levantando da mesa para ela, lentamente, os olhos, ele pronunciou em meio a um sorriso: “_É sua vez”. A luz focara abruptamente em sua mão, segurada com força, um gesto de cortesia tão tentador como o que balançara a luminária. Ela ria tímida afastando, esbaforida, dos lábios a taça de champagne marcada pelo batom e colocando-a de lado junto a sua timidez. Olhou diretamente dentro de seus olhos, caminhou sensual e decididamente de encontro a ele e inclinou-se levemente sobre a mesa enquanto mordia os lábios olhando de canto. Snap! Outra bola atravessava a mesa. Ela levantara sorrindo com um ar de graça que lembrava as pin-ups de Gil Evergreen e com um movimento sutil soltou o coque que prendia seus longos fios castanhos, quase negros. Não precisavam de palavras, os olhos de ambos falavam por eles, inquietos, libidinosos, famintos, olhos que devoravam uns aos outros euforicamente com as pupilas dilatadas. A respiração intensa trazia ar aos pulmões gerando aquela leve cócega no externo, uma sensação que poucas vezes se sente, mas da qual ninguém nunca se esquece. Noite adentro, as bolas foram desaparecendo da mesa, uma após a outra em um ritmo forte e intenso, noite adentro... até o momento onde restara apenas uma. Seus olhares se cruzaram desejosos. A tensão alcançara o seu ápice, o tempo dilatara e Beth Gibbons cantava para eles, distante no rádio.
“ ‘Cause the child roses like,
Try to reveal what I could feel,
And this loneliness,
It just won't leave me alone, oh no.”
Logo, não havia mais bolas na mesa, não havia mais copos, não havia mais chão. Os faróis dos carros iluminavam a vida longe em movimento, em flashes que não alcançavam as janelas. Havia lábios, olhos, cheiros, êxtase. O tecido amortecia os movimentos e a luminária pendulava novamente.

quarta-feira, março 02, 2005

Dá um tempo.

Eu queria escrever algo, mas está difícil. Rabisco meia dúzia de textos, começo duas, três vezes cada um e nenhum me agrada. Apago tudo e volto para a prancheta. Eu queria escrever, mas tem faltado tempo, tantas coisas no trabalho, na cabeça, tanto o que fazer, resolver, pensar, acaba não saindo nada, fica tudo lá, preso misturado, tudo errado: girafas com trombas, tigres púrpura, rosas de vidro, prédios de taipa, pessoas de chocolate, asfalto com pimenta. Eu queria escrever sobre como está difícil esvaziar a mente e simplesmente relaxar, eu só queria pensar um pouco, mas quando paro as coisas continuam, rodam ao meu redor, não fluem. Não é só comigo, é com todo mundo. Todo mundo tem que trabalhar, pagar as contas, cuidar da namorada ou de arranjar uma, levar o cachorro no veterinário, ir ao médico, fazer isso, aquilo, aquele outro... O tempo passa e não temos tempo para nós mesmos. Há quanto tempo eu não leio um livro inteiro? Quantas vezes eu realmente consegui me divertir esse ano? Quantas vezes eu não tive horário para voltar? Tento encontrar um ou dois amigos, combinar um cinema, um jogo, um churrasco, uma cerveja. Nunca dá, não tenho tempo, não tenho dinheiro, fulano também não, a garota vai viajar, a moto vai para revisão, o namorado está doente, tenho aula, tenho que estudar, minha mina não quer, Tsunami, vacinação das borboletas, greve dos asnos cegos do Himalaia, estiagem no Nepal, blá, blá, blá... Nunca dá, e quando dá é sempre um estresse, todo mundo quer relaxar, as coisas saem um pouco do eixo, não foi como previsto, discussões, brigas, boxe. Há um tempo, um grupo de amigos que havia se quebrado voltou a se encontrar, motivo: Um deles tentara suicídio. Então houve uma comoção e todos os resolveram se unir para que ninguém mais se matasse. Ninguém mais se matar? Legal, quem precisa ver os amigos porque gosta deles não é? Eles entendem... morrem virando vidros de remédio, mas entendem. E assim se formam os grupos na sociedade, objetivos em comum! Suicídio coletivo, esporte, religião, motos, comida... E prioridades? Para que? Só para justificar o próprio livre-arbítrio, mas o outro... que se foda.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Intelegophobos

Enquanto eu não termino o próximo conto que pretendo publicar (o que espero fazer ainda hoje), resolvi publicar uma observação sobre algo que tem se tornado comum. Comecei a reparar que algumas das pessoas com quem eu convivo indiretamente no trabalho começaram a fazer brincadeiras repetitivas e não muito inocentes sobre a minha inteligência. A princípio eu parei para pensar se não estava sendo metido, mas, salvo exceções, eu até evito admitir minha inteligência publicamente. Desde que me lembro, me sinto incomodado assumindo isso e nunca me agradou a possibilidade de estar sendo arrogante. Quer dizer, não é de hoje esse tipo de coisa acontece e não é um caso isolado, não é só aqui e agora ou eu não sentiria a necessidade recorrente de adotar um comportamento defensivo. Como eu sempre fui cuidadoso com isso, descartei a hipótese e depois de uma breve conversa ao telefone com o Hospitalário, cheguei à conclusão de que as pessoas se ofendem com a inteligência alheia. E eu que acreditava, como a Dríade, que só o Colégio era a sucursal do inferno... não estamos assim tão livres do darwinismo social. Eu já estava incorrendo no erro de acreditar que adolescência difícil não era justificativa para absolutamente nada, afinal todo mundo que eu conheço têm. Mas a Lica-chan me lembrou que a vida das pessoas com quem eu ando foi um inferno, porque também existem as pessoas que tornavam um inferno a nossa vida. Eu esqueci que nós fazíamos parte do “grupo dos excluídos”. Quer dizer, pelo visto, ainda fazemos. Tudo isso lembra muito Malcom X e Martin Luther King. E eu me pergunto: Algum dia deixaremos de ser xenófobos?

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Balanço

Se este carnaval teve algo de curioso não foi o próprio feriado, mas algumas reflexões que passaram pela a minha cabeça. Então, na contramão de todo mundo que resolve parar para balanço no ano novo eu decidi parar hoje. Creia-me como quiser, sou brasileiro e como todo bom filho desta pátria tenho o mal habito de começar as coisas depois do carnaval, mas se preferir, entenda isso como uma homenagem ao ano-novo chinês que começou a semana passada.

Depois de muito deliberar, ele concluiu que estava melhor do que há um ou dois anos, mesmo não tendo se tornado a pessoa que gostaria de ser. Acontece que na vida temos que fazer escolhas que nem sempre são felizes e não temos tempo para fazer tudo àquilo que queremos. Algumas destas escolhas fizeram com que ele perdesse parte de seu condicionamento físico. Outras, descobrir pelo 3 ou 4 ano seguido que nem sempre os nossos amigos estão ao nosso lado e nem sempre quem está ao nosso lado é nosso amigo. E outras ainda, o fizeram perceber que algumas vezes deixamos passar ocasiões que nunca se repetirão novamente e que para realmente ser alguém na vida tem que suar muito a camisa.
Que ano... Pensava ele deitado, observando o céu, sem se orgulhar do que havia descoberto. Na verdade nem acreditava ter descoberto algo, apenas havia provado tudo na pele.
Prostrado no gramado com a pele eriçada pelo toque leve do vento que trazia os primeiros sinais do outono vindouro, pensava ele como havia se tornado um homem muito mais cético do que jamais acreditou ser capaz. Indagava a si mesmo se ainda possuía alguma inocência e observava que algumas pessoas outrora tão grandiosas para ele eram nada mais que humanas, nem piores, nem melhores. O tempo em que todos seguiam juntos para o mesmo lado havia acabado. A lei hoje era bem clara: “Cada um por si e Deus contra todos”. Cada um escolhe um lugar que ache melhor para chegar (porque, como disse o poeta, “nesta vida a única certeza é a morte”) e todos seguem para a sua direção, cada um para um lado.
De fato, ele perdera a inocência, a vida para ele era cinza, sem mágica, sem elfos, sem Deuses, sem, sem, sem... Sem graça talvez, mas nem por isso menor do que a vida pode ser, ela só não era incrível. E eu lhes pergunto: faz alguma diferença? O mundo acabará amanhã por causa disso? Você deixará de pagar impostos por isso? O sol deixará de nascer amanhã? A lua e os astros interromperão os seus cursos? Não. Nada irá mudar. Nada. O que fazia lembrar a ele uma das grandes sacadas de ler Sandman em português. Nada, a única pessoa a quem o Sonho ama. E eu, assim como você leitor ocasional de Neil Gaiman, sabemos que esta sacada é uma mera coincidência, nada intencional, porque Nada não é um nome em português e nem um nome traduzido, mas sim uma daquelas felizes coincidências. A vida não é fantástica. Não se engane leitor, isto não é uma pergunta ou uma ironia, é uma afirmação, uma locução tão direta quanto a vinha do diabo.
E talvez aqui comecem as coisas “boas” sobre tudo o que ele aprendera. Lembrava-se olhando o crepúsculo o quão fantásticas podem ser as palavras que uns poucos homens conseguem colocar nas páginas de um livro. Sabia que fantásticos são os dias que gostaríamos de ter, fantásticos são os sonhos. O doce mundo dos sonhos. Ele aprendera a ser mais responsável e todas aquelas coisas chatas dos adultos, e assim, pela primeira vez se considerava: adulto. Logo seria um velho e depois uma lembrança, para só então se tornar esquecimento e neste curto percurso talvez alimentar a essa máquina que cria sonhos para as crianças. Pensava como é fabuloso que existam pessoas que ainda consigam acreditar e fantasiar, porque ele não mais conseguia. Havia se tornado seco, e ironicamente poderiam dizer ser isso obra de algum ser encantado que se alimenta do riso das pessoas, mas se é realmente ninguém sabe. Recordava o dia em que uma bela moça havia lhe dito que suas palavras eram amargas e desgostosas. Verdade. Mas apesar de não se orgulhar disso, também não deixava que isso o diminuísse. Existem pessoas que nascem prontas para voar, esse não era o seu caso. Ele, quando muito com alguma heresia, poderia afirmar que era um dos que nasceram cochos.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Quase Carnaval

Pois é, o Carnaval está aí na porta, dando as caras e eu vou ter um emocionante feriado trabalhando para variar. Não quero ser injusto, quase não tenho trabalhado em feriados desde que comecei a trabalhar como redator e até acho bom ter que trabalhar desta vez. É só que faz tempo que eu não viajo no carnaval ou faço alguma coisa diferente nesta época. Não por nada, eu nem gosto de carnaval, a idéia original era muito interessante, porém, hoje em dia não tem mais nada haver com o que era antigamente. Mas o carnaval já me rendeu ótimas viagens e queira ou não ele tem algo de que gosto bastante: é uma daquelas poucas ocasiões aonde as pessoas relaxam um pouco a guarda (para não descambar de vez e dizer que é praticamente época de acasalamento). Ultimamente situações assim têm feito falta, sair um pouco, conhecer gente, dar uns beijos, pegar uma praia ou mesmo um baile de carnaval. Tudo isso viria bem a calhar. Adoro a idéia dessas ocasiões onde não existem grandes barreiras sociais, quando não faz diferença alguma se o cara ao lado é seu chefe ou seu empregado. Eu acho que falta um pouco disso para as pessoas durante o resto do ano: relaxar, tocar o F0d4-#3. Eu não entendo porque precisa ser carnaval para que aquela garota que faz doce o ano todo desencane e viva durante alguns dias, para que aquele cara chato que nunca quer fazer nada saia e brinque um pouco. E sinceramente, não me importa o porquê. É diferente, deveria ser assim sempre. Se você ficar ponderando demais sobre tudo, o céu e as estrelas, você acaba deixando a vida passar, arruma rugas, gastrite, câncer no fígado ou qualquer outra coisa do gênero. Tem horas que não se ganha sem ariscar, e nem é preciso arriscar tanto, apenas não ficar tão na defensiva, viver um pouco mais seus instintos. Faz parte da natureza humana. Mas para a maioria das pessoas falta um pouco de coragem. Até entendo o porquê, estamos falamos das nossas vidas, aqui não tem save point, não tem como parar e voltar para o início. Ainda assim, as pessoas se entocam de mais e se esquecem de que existe vida lá fora.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Dias como estes

Às vezes você acorda pela manhã com uma sensação de bem estar. Tem a impressão de que é invencível, que pode fazer absolutamente qualquer coisa e que é capaz de conquistar o mundo. Sente-se alegre, capaz e bem-disposto, manobra resolvendo seus problemas da melhor forma possível, desempenhando suas tarefas com desenvoltura, força, agilidade e elegância. Tem dias que você é capaz de tudo. Você segue firme dia adentro, inabalável, confiante, uma fortaleza, nada pode pará-lo, nem um problema.
Ah... seria tão bom se o nosso bem dependesse única e exclusivamente de nós mesmos! O dia passa e damos o nosso melhor, mas nem sempre é o bastante, nem tudo depende de nós. Um dia a bateria tem que acabar, o elo tem que partir e os relógios atrasarem. Tem dias que o outro funcionário vai faltar, você vai ficar doente, seu bicho de estimação vai morrer. Paciência. Nem tudo depende de nós. Nem sempre as coisas têm que funcionar, nem sempre aquela garota incrível vai gostar de você, nem sempre o seu amigo vai querer, nem sempre o funcionário da repartição pública vai estar de bom humor. Acontece. Nem todos os dias são para ser coloridos, alegres e felizes e mesmo que você não saia da cama vai rolar uma dor nas costas, uma insônia. Às vezes o mundo lá fora tem que dar errado, talvez para nos ensinar humildade. No fim, o melhor que você pode fazer você fez e o que fazer mais? Talvez tomar um banho quente no final do dia, esquentar água para fazer um chá ou tomar um cálice daquele vinho especial que é só para você, respirar bem fundo... Porque os dias passam, mesmo quando eles se repetem bastante.

*Observações sobre o último texto.

Talvez eu não tenha me expressado muito bem no texto passado. A questão não é sobre as pessoas que passam pela nossa vida e vão embora ou sobre o isolamento que, por vezes, temos necessidade. É sobre quando ninguém mais agüenta andar enquanto você está a pleno fôlego. Quando você é capaz de ir além e não há quem possa ir contigo. É sobre escolher entre seguir sozinho ou deixar para trás os seus sonhos. Talvez seja sobre algo mais, talvez seja sobre ter nascido diferente e a sensação de solidão que resta de não encontrar ninguém parecido (e que nem por isso vai querer seguir com você). Às vezes temos sonhos muito simples, mas somos por demais complicados. É isso, ninguém prometeu que tínhamos que ser felizes vindo para cá, ninguém se quer perguntou se você queria. Mas a vida é a vida, ela não tem que ser justa.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Uma nova tentativa de vencer o nó na garganta

Já faz algum tempo que a minha produção de textos diminuiu e ela tem minguado cada vez mais. Tenho muitas coisas para dizer, mas todas elas parecem não vencer o nó na minha garganta e vir a conhecer a luz do dia.
Não estou bem, de fato, nunca estive, nasci assim, uma daquelas pessoas inconformadas com o mundo. Em uma conversa com um bom professor a minha guarda foi aberta por apenas três perguntas que me mostraram o quanto somos parecidos. Fiquei feliz e triste por isso, feliz por saber que eu não sou o único a tentar atravessar a correnteza a nado, ele tem feito em um certo aspecto, e isso foi o que me deixou triste. Mostrei a ele o inconformado que sou e ele me perguntou se eu achava isso ruim. Eu respondi que não, existe algo muito bom em ser inconformado, a constante busca pelo aperfeiçoamento. Mas também há algo muito complicado a respeito, esta é uma busca sem fim e as pessoas se cansam disso.
Na verdade tudo se trata sobre isso, pessoas. Quando eu canso, fico meio deprimido, mas continuo seguindo por essa estrada, eu sou assim e para mim não existe outra escolha, outra forma de ser. Porém as pessoas cansam, as outras pessoas. É difícil para as pessoas lidarem umas com as outras quando alguns de seus limites vão muito além dos limites alheios. Talvez seja essa uma das coisas que eu tanto gosto em Batman e talvez seja isso o que eu tenha amado ao assistir Alexandre.
Eu tenho um bom amigo muito semelhante a mim, dentre as nossas poucas diferenças figuram apenas que ele é muito mais inteligente do que eu e que ele já chegou bem mais perto da sua “massa crítica”. Além disso, a nossa maior diferença está na forma como encaramos esta questão, na forma como escolhemos viver (e também meu professor). A maior questão sobre essa natureza é o isolamento. Uma hora você vê que as pessoas não estarão ali para sempre, que elas talvez não cheguem ao próximo verão. Você vê que as pessoas com que você conta um dia, no outro vão embora, passam a te odiar, mudam completamente. E a culpa é de quem? Sua por ter uma personalidade forte e limites muito amplos? Das pessoas por serem limitadas e não saberem simplesmente dizer não? Dos dois talvez. Mas uma hora você se dá conta o quanto as pessoas são voláteis e o quanto elas podem ser insípidas. E então você tem que escolher entre ignorar as suas asas ou esquecer as pessoas. Não dá para levar as duas coisas juntas, uma hora alguém sempre se machuca. Então o que você faz? Passa a viver só mesmo sabendo que uma hora isso acabará com você porque ninguém consegue viver absolutamente sozinho? Porque isso envenena, enlouquece. Ou vai contra você mesmo, adota uma vida medíocre (segundo os seus parâmetros) e ignora a si mesmo?
Não sei o que fazer. É uma “escolha de Sofia” e no final você sabe nem um dos caminhos irá trazer felicidade.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Momentos de histeria!

Depois de muitos e muitos anos tentando lembrar quais foram os dois primeiros animes que assisti na minha vida (e que provavelmente geraram toda a minha identificação com a cultura japonesa, junto a meu antigo sensei de judô com ares de Pai Mei). Hoje, ao entrar no www.omelete.com.br encontrei uma matéria gigante sobre um deles (e graças ao hipertexto sobre o outro também)! Fiquei surpreso ao notar como um deles era tosco (ei! Eu tinha só 5 anos ta! Tinha o direito!) e feliz de relembrar os meus divertidos finais de tarde após a escola. Um deles (por acaso o tosco...rs) foi na época o que me levou a ter a minha primeira namoradinha... Acho que vem daí a minha inclinação para mulheres inteligentes, desde pequeno eu começava os meus namoros por afinidades intelectuais. Eram dias felizes aqueles... Então, espero fazer a felicidade de outros que como eu passavam as tardes loucos por mais um episódio e que a nostalgia possa dar um sorriso a vocês também. Seguem os links para as matérias:

Patrulha estelar, (originalmente Encouraçado Espacial Yamato - Uchuu Senkan Yamato):
http://www.omelete.com.br/tv/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=2409
Pirata do Espaço
http://www.omelete.com.br/tv/artigos/base_para_news.asp?artigo=1559

Outras conclusões:

Sabe, pensando em Deus como o grande roteirista universal, não deixo de achar tudo isso um recurso melodramático. Muito simples, depois de perder um ano de faculdade corri atrás do tempo perdido no ano passado, mas as circunstâncias não foram propícias, faltou tempo para estudar (e ainda falta). Consegui resolver grande parte dos problemas em relação a minha habilitação em língua portuguesa, mas não posso dizer o mesmo da minha segunda habilitação, língua japonesa. Estou em vias de fazer a prova de recuperação de Língua Japonesa 2 com poucas expectativas de sucesso e conseqüentemente estou preste a trancar a minha segunda habilitação. Muito triste, mas praticamente inevitável. Mesmo que eu passe para o próximo semestre, não terei condições de acompanhar o curso e não dá para admitir que isso atrapalhe a minha outra habilitação. Como pretendo investir na carreira acadêmica em literatura brasileira, o japonês ficou meio supérfluo. É claro que estou aborrecido com isso, gosto de desafios e esse foi um que não consegui levar. Mas não é de todo mal, vou poder concentrar os meus estudos e terminar a faculdade antes, o que não me impede de estudar japonês por conta. Tenho pelo menos dois anos de faculdade ainda pela frente já que estou um ano atrasado e, mais certo do que isso, sei que esta com certeza não será a minha única faculdade.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Kill Bill - Volume 1

Resenha singela mas de cunho próprio... O DVD sai em pré-venda amanhã.

O quarto filme de Quentin Tarantino chega arrasando como um dos marcos do cinema contemporâneo. Kill Bill presta uma grande homenagem aos filmes de Kung-fu das décadas de 60 e 70, seus atores e estilos. Dirigido com exímia presteza, a obra foi delicadamente produzida o que dá ao expectador um deleite frente às diversas mudanças de sensibilidade do filme, cenas em preto e branco, seqüências, sombras, ângulos de câmera e intertextualidade com outras mídias como o trecho do filme feito em anime e a sensacional trilha sonora que se tornou um dos deliciosos hábitos viciantes dos filmes de Tarantino. O primeiro volume do filme narra o início da vingança da ex-assassina Black Mamba (cujo nome real só nos é revelado ao final do segundo filme). Ao acordar do coma, Black Mamba percebe que foi a única sobrevivente do extermínio ocorrido no dia de seu casamento e que levara as vidas de todos a quem amava, inclusive do filho que levava no ventre. Ela começa então uma caçada impiedosa aos assassinos, seus ex-companheiros do esquadrão de assassinato Deadly Viper. Mas Kill Bill não é apenas um filme sobre sangue e assassinato, ao final do primeiro volume ficamos desesperados para assistir sua continuação e obter a resposta para sua maior pergunta: Até onde somos capazes de ir quando o amor se transforma em raiva?

segunda-feira, janeiro 10, 2005

O fantasma do ano novo

É um hábito comum passar o natal sempre com a família, mas o ano novo... Ah... O ano novo sempre reserva diversas possibilidades novas: viagens, baladas, amigos e diversão. O final daquele ano em particular não prometia muito. Juliana iria para a casa de algumas pessoas que julgava conhecer muito bem, apesar da verdade ser exatamente o contrário, e acreditava realmente que iria se divertir muito. Ledo engano. Ao chegar sentiu-se imediatamente incomodada frente a todas aquelas pessoas estranhas com seus hábitos desagradáveis acomodadas pelos cantos da casa suja e empoeirada. Alguns bêbados, outros drogados e outros ainda com um cheiro nauseante. Poucos rostos lhe eram familiares, o de seu namorado, Alan, o da dona da casa, Joana, e o de mais duas ou três outras pessoas. Sentia-se muito sozinha, principalmente porque queria passar algum tempo a sós com o seu namorado. Enquanto ele conversava e se divertia do lado de fora da casa ela conversava no quarto mais limpo que encontrou com as poucas pessoas que a agradaram, uma delas era Leandro, um divertido ruivo que estava de cama e que a fazia rir. Mas não foi o bastante, a solidão continuava a devorá-la por dentro e as decepções acabaram por deixá-la cada vez mais triste. Foi então que oportunamente seu celular tocou. Agora, enquanto recordava, um desejo auto-destrutivo dizia a ela que talvez devesse ter ficado lá se enganando, mesmo sabendo que faria a escolha mais sensata para aquele momento. Era Flavia, uma tímida amiga sua a quem não via há um longo tempo convidando-a para cear em sua casa. Em dúvida chamou Alan e depois de uma discussão de poucos minutos acreditava não estar trocando o certo pelo duvidoso. Despediu-se de todos dizendo que voltaria no dia seguinte, arrumou suas coisas e seguiu para casa de Flavia junto à lua nascente, deixando até mesmo Alan para trás. Na casa de Flávia, o jantar transcorrera com tranqüilidade. Estavam apenas Flávia, seu marido Renan, a namorada do irmão de Renan, Julia, e um amigo do casal, Marcelo. Pouco tempo depois da ceia Flavia e Renan decidiram parar de brigar contra o sono e resolveram ir dormir deixando Juliana, Marcelo e Julia conversando na sala. Juliana se sentia atraída por Marcelo, ele era muito bonito, inteligente e tinha um sorriso encantador. Ficaram lá os três conversando e só então Juliana notou como Julia se parecia com ela, no formato do rosto, no corte de cabelo e no jeito de falar. Falavam sobre os filmes que gostavam e os cinemas que costumavam ir. Julia falava sobre quando ia ao cinema com seu namorado, sobre o quanto o amava e sobre a saudade dele que estava viajando. As horas passavam e Juliana ficava mais e mais intrigada. No começo os três conversavam falando igualmente, mas enquanto a lua atravessava o céu Juliana ia ficando cada vez mais impressionada e silente. A conversa seguiu noite à dentro entre livros e peças de teatro e muitas vezes Julia interrompia Juliana para dizer algo a Marcelo. Eram as palavras de Juliana e até seus pensamentos vindo à luz na boca de Julia. Eram muito parecidas. Há até quem pudesse dizer que eram irmãs, tamanha a semelhança que a conversa salientava como a água do rio a carregar do leito a terra e expor o cascalho. A lua figurava com um brilho sinistro no céu e Juliana começara a se questionar se deveria ter vindo. Julia falava a Marcelo com paixão deixando Juliana estarrecida. Elas eram parecidas em tudo das roupas e pensamentos aos desejos e sentimentos mais íntimos. Certa hora, enquanto Julia ajeitava o cabelo Juliana notou que possuíam até as mesmas duas pintas do lado esquerdo do peito. Julia era Juliana. E Juliana, terrificada, era um espelho da mulher que flertava com Marcelo a sua frente como se fosse ela mesma; nada era capaz de provar o contrário. As luzes forma se tornando quentes e a escuridão tomou conta de tudo. Juliana tomara consciência da pergunta ribombando em seu cérebro. Se Julia era Juliana... quem era ela? Apenas ela ouviu o baque surdo do corpo indo de encontro ao chão e o estalo ardente do beijo entre o casal na sala.

O Medo – Coletânea de idéias dispersas, realidades fictícias e afins.

Só o medo pode explicar o que acontece, observe, digo explicar e não justificar. Uma amiga minha diz que tenho o habito de encontrar justificativas para tudo, principalmente para as mancadas que os outros dão para comigo. Não importa, certas coisas não passam de um reflexo de nós mesmos, o que nos torna não tão inocentes assim, o respeito é uma delas. Pois bem, eu falava do medo, e o que é o medo na verdade senão uma tentativa de simplificar as coisas. Sentimentos absolutos dificilmente são contestados e quando contestados trazem mudanças e marcas. Mas façamos de conta por hoje... Façamos como a nossa psique e acreditemos ingenuamente no “espaço angelical” e na simplicidade das coisas, além disso, brinquemos um pouco de Hitchcock.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Conto de Natal

18:20, eu havia saído da casa dela, um pouco constrangido e um pouco consternado. Não é todo dia que você entrega um presente de aniversário, ainda que atrasado, e fica com a impressão de que a pessoa olhava através de você. Sei lá, ela deveria ter seus motivos, os quais não cabem a este ensaio. O fato é que faltavam quase seis horas para a ceia de natal e eu não estava nem um pouco a fim de voltar para casa. A idéia que vinha crescendo há algumas horas na minha mente agora tomava forma. Um bate-e-volta em Santos. Praticidades de quem tem uma moto, não paga pedágio e gasta uns R$12,00 em combustível para ir e voltar. Lá fui eu seguindo estrada adentro com o sol já baixo. Com sorte, ainda conseguiria assistir ao sol se pondo no mar.Sempre venta muito na descida da serra, mas, no dia, até que estava tranqüilo. Poucos veículos, nenhum caminhão, apenas eu, Valentyne e o asfalto, ocasionalmente acompanhados por meia-dúzia de carros. No começo da “Nova Imigrantes” o sol resolveu esconder-se atrás das nuvens e uma neblina espessa tomou conta da estrada. Neblina de verdade e muita, eu enxergava apenas as luzes de freio do carro à frente perdidas no meio do branco e o chão imediatamente abaixo da roda dianteira até 3 ou 4 metros à frente. Alguns pensamentos bizarros surgiram “literalmente” do nada: “é só seguir em direção às luzes, as duas vermelhas quadradinhas, não a branca gigantesca à direita no final do túnel”. A neblina causa uma sensação estranha, como se Deus passasse uma borracha no mundo, mas essa impressão durou pouco, pois logo eu entrei no túnel (o da estrada, não o da luz) ignorando a existência de neblina ou vento e rapidamente alcançando a Baixada Santista. Uma vez em Santos, demorei apenas para alcançar a praia, chegando lá no exato momento em que o sol entrega-se para morrer nos braços do mar, numa diversidade de tons que apenas o oceano é capaz de pintar de encontro ao firmamento. Minha empreitada não poderia ter sido melhor, voar pela estrada livre para caçar um pôr do sol. Regozijado pelo momento único, aproveitei para visitar alguns parentes, o que fez com que partisse de lá apenas 23:20. Apesar da hospitalidade, não resisti, voltei àquela hora mesmo, pois havia combinado de encontrar com meus poucos amigos próximos após a ceia e abrir um bom Cabernet Sauvignon. Mas nem imaginava que o meu intento seria frustrado e que não encontraria ninguém quando chegasse em São Paulo. Enfim, foi então, durante a volta, que aconteceu o extraordinário. A estrada estava deserta, como era de se esperar, estendendo seu veludo negro sob meus pés, um silêncio tranqüilo e um céu estrelado. Eu deslizava noite adentro praticamente só e meus pensamentos pareciam falar em voz muito alta. No final da planície litorânea a única estrada disponível para a volta era a Anchieta, eu nunca havia subido a serra por ela que é mais tortuosa e utilizada para transporte de cargas, mas a estrada estava tranqüila e não havia outra opção. Eu já disse que a estrada estava tranqüila? Pois é, estava tranqüila... tranqüila até demais e foi em meio a toda essa tranqüilidade que avistei meia dúzia de carros subindo juntos atrás de uma viatura com as luzes apagadas, provavelmente um carro da polícia ou da empresa concessionária da estrada, estavam a uma velocidade razoável e pareciam conhecer bem a estrada. Decidi me embrenhar junto a eles e fui subindo com calma, em segurança na estrada vazia com uma certa paz de espírito. Foi bem melhor do que enfrentar aquele breu absoluto, já que as lanternas dos carros aumentavam a luminosidade da estrada e espantavam aquela escuridão quase sobrenatural. Chegando na divisa de município com São Bernardo, no ponto onde a Anchieta retorna a Imigrantes depois da serra, todos os carros haviam me ultrapassado e enfileirado a minha direita, sendo que o último da fila começou a sinalizar com a seta e com o braço para que eu ultrapassasse. Achando tudo muito estranho vim para a pista da esquerda e acelerei ultrapassando a fila toda, inclusive a viatura... do serviço funerário municipal.