segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Balanço

Se este carnaval teve algo de curioso não foi o próprio feriado, mas algumas reflexões que passaram pela a minha cabeça. Então, na contramão de todo mundo que resolve parar para balanço no ano novo eu decidi parar hoje. Creia-me como quiser, sou brasileiro e como todo bom filho desta pátria tenho o mal habito de começar as coisas depois do carnaval, mas se preferir, entenda isso como uma homenagem ao ano-novo chinês que começou a semana passada.

Depois de muito deliberar, ele concluiu que estava melhor do que há um ou dois anos, mesmo não tendo se tornado a pessoa que gostaria de ser. Acontece que na vida temos que fazer escolhas que nem sempre são felizes e não temos tempo para fazer tudo àquilo que queremos. Algumas destas escolhas fizeram com que ele perdesse parte de seu condicionamento físico. Outras, descobrir pelo 3 ou 4 ano seguido que nem sempre os nossos amigos estão ao nosso lado e nem sempre quem está ao nosso lado é nosso amigo. E outras ainda, o fizeram perceber que algumas vezes deixamos passar ocasiões que nunca se repetirão novamente e que para realmente ser alguém na vida tem que suar muito a camisa.
Que ano... Pensava ele deitado, observando o céu, sem se orgulhar do que havia descoberto. Na verdade nem acreditava ter descoberto algo, apenas havia provado tudo na pele.
Prostrado no gramado com a pele eriçada pelo toque leve do vento que trazia os primeiros sinais do outono vindouro, pensava ele como havia se tornado um homem muito mais cético do que jamais acreditou ser capaz. Indagava a si mesmo se ainda possuía alguma inocência e observava que algumas pessoas outrora tão grandiosas para ele eram nada mais que humanas, nem piores, nem melhores. O tempo em que todos seguiam juntos para o mesmo lado havia acabado. A lei hoje era bem clara: “Cada um por si e Deus contra todos”. Cada um escolhe um lugar que ache melhor para chegar (porque, como disse o poeta, “nesta vida a única certeza é a morte”) e todos seguem para a sua direção, cada um para um lado.
De fato, ele perdera a inocência, a vida para ele era cinza, sem mágica, sem elfos, sem Deuses, sem, sem, sem... Sem graça talvez, mas nem por isso menor do que a vida pode ser, ela só não era incrível. E eu lhes pergunto: faz alguma diferença? O mundo acabará amanhã por causa disso? Você deixará de pagar impostos por isso? O sol deixará de nascer amanhã? A lua e os astros interromperão os seus cursos? Não. Nada irá mudar. Nada. O que fazia lembrar a ele uma das grandes sacadas de ler Sandman em português. Nada, a única pessoa a quem o Sonho ama. E eu, assim como você leitor ocasional de Neil Gaiman, sabemos que esta sacada é uma mera coincidência, nada intencional, porque Nada não é um nome em português e nem um nome traduzido, mas sim uma daquelas felizes coincidências. A vida não é fantástica. Não se engane leitor, isto não é uma pergunta ou uma ironia, é uma afirmação, uma locução tão direta quanto a vinha do diabo.
E talvez aqui comecem as coisas “boas” sobre tudo o que ele aprendera. Lembrava-se olhando o crepúsculo o quão fantásticas podem ser as palavras que uns poucos homens conseguem colocar nas páginas de um livro. Sabia que fantásticos são os dias que gostaríamos de ter, fantásticos são os sonhos. O doce mundo dos sonhos. Ele aprendera a ser mais responsável e todas aquelas coisas chatas dos adultos, e assim, pela primeira vez se considerava: adulto. Logo seria um velho e depois uma lembrança, para só então se tornar esquecimento e neste curto percurso talvez alimentar a essa máquina que cria sonhos para as crianças. Pensava como é fabuloso que existam pessoas que ainda consigam acreditar e fantasiar, porque ele não mais conseguia. Havia se tornado seco, e ironicamente poderiam dizer ser isso obra de algum ser encantado que se alimenta do riso das pessoas, mas se é realmente ninguém sabe. Recordava o dia em que uma bela moça havia lhe dito que suas palavras eram amargas e desgostosas. Verdade. Mas apesar de não se orgulhar disso, também não deixava que isso o diminuísse. Existem pessoas que nascem prontas para voar, esse não era o seu caso. Ele, quando muito com alguma heresia, poderia afirmar que era um dos que nasceram cochos.

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