quarta-feira, janeiro 25, 2006

Ossos do ofício

Quem dera, nós pessoas inteligentes, fossemos menos complicadas e excêntricas. Porque a inteligência que nos é tão cara, infelizmente, nos torna aos olhos dos outros pessoas pedantes, frias e incompreensíveis. Quem corteja a inteligência com intimidade raramente se afasta dela para além do ponto onde distinguimos suas sardas, pupilas e cílios, linha que pessoas que não nutrem essa paixão não se arriscam a cruzar. Falo de paixão verdadeira, aquela sem a qual a vida de uns tantos não seria a mesma. Uma vida sem um livro qualquer para ler entre uma estação e outra do metrô (que diria então de um Graciliano, um Tokien ou um Shopenhauer). Um xadrez, um go ou uma outra atividade lúdica para excitar uma tarde entre amigos. Uma boa Hq ou um bom filme independente para aquecer uma noite. A inteligência é um critério gradual, ela não permite que se divida as pessoas entre duas categorias radicalmente opostas: quem a tem ou quem não a tem. Mas se é seu desejo dividir basta um olhar para saber a quem ela fascina ou a quem não. O que sobra é um abismo criado pelo paradigma social, um abismo que algumas horas é tão grande que faz de nós sábios, solitários.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Atum é assim, você só comenta quando pesca um dos grandes e não quer que ninguém fique criticando o tamanho do seu.

Quero quebrar este silêncio, dizia eu a mim mesmo, contrariado pela falta de idéias como quem reclama por comprar uma lata de atum sem ter um abridor de latas. Coisas de louco: latas vendidas sem o abridor e pessoas que conversam sozinhas, mas embora eu converse sozinho, isso já é outra história. Neste exato momento a falta de idéias ou a falta de intimidade comigo mesmo talvez sejam o ponto.

Voltando a vaca fria, quer dizer, ao atum neste caso, isso me faz lembrar da história dos tiozinhos famintos lá no agreste que ganharam comida através de uma campanha de caridade e receberam várias coisas legais, como latas de atum, ervilha e óleo para cozinhar, porém havia um pequeno detalhe, eles não tinham com o que abri-las. Não gosto nem de imaginar o pobre povo faminto olhando a foto do peixe a devolver o olhar em esgar e as bocas todas salivando.

Pensar tem, de fato, muito a ver com atum, assim como as atividades que cercam o atum, quer dizer, o pensar em geral. Pensar é como cozinhar Atum, você põe o atum na panela, deixa ele lá rolando no vapor, joga um tempero ou outro para acentuar o gosto e mexe de quando em vez para não queimar embaixo. Escrever é como tirar o atum da lata, se você usa um abridor fica fácil, de outro modo você corre o risco de o atum não sair muito aproveitável. Revisar o texto de alguém é como limpar o atum, não é difícil e se parece um pouco com escrever. Tem quem goste mais e tem quem não goste, indiferentemente, a maioria dos autores age como se você estivesse limpando o peixe deles com um abridor de latas quando você sugere uma leve mudança. Atum é assim, você só comenta quando pesca um dos grandes e não quer que ninguém fique criticando o tamanho do seu.

Ando com uma sensação estranha, uma espécie de frio na barriga ou coisa do gênero, como se eu estivesse ouvindo alguns barulhos estranhos, assustadores e pouco reconhecíveis... 13:31, me esqueci de almoçar, será que eu encontro uma lata de atum por aí?