terça-feira, agosto 09, 2005

Explosão criativa

Os canos secos desde muito tempo não viam água outra senão a da extensa umidade da parede. Um dia foram canos de sistema anti-incêndio outro dia cultivo de ferrugem. O teto baixo e o ar viciado não tornavam o lugar agradável, um lugar perdido, esquecido pelo tempo entre paredes de uma megalópole, abaixo de um prédio qualquer em uma rua qualquer em lugar nenhum. Poças d’água cobriam o chão de concreto criando um espelho perfeito do teto e das paredes cheias de brechas, refletindo um pouco da luz do céu e de uma grande nuvem branca perdida pelo lugar. Mais acima, o edifício abandonado tecia a sua viagem através das décadas, um bloco de cimento com paredes podres, tinta descamando, toneladas de umidade e mofo incrustado na cidade. Ele poderia estar absolutamente sozinho por todo esse tempo, mas ainda assim estava vivo. Comunidades de insetos, fungos, uma samambaia que morava em um buraco nos tijolos, onde um dia esteve fixada a calha, e agora, mais recentemente um homem que acabara de entrar. Ele fechou a porta atrás de si deixando a rua presa do lado de fora e começou a procurar o registro. Verificou se tudo estava em ordem. Removeu o pastoso calhamaço de papel formado pela correspondência velha enfiada por baixo da porta e começou a subir a escada até o andar de cima. Subiu, subiu, subiu os degraus gastos por centenas de pés que ali passaram parando apenas por um instante quando a nuvem cruzou com o sol a luz diminuiu por um instante. Voltou a subir pisando em duas traças que dialogavam amistosamente na curva de outra escada que contornava o prédio por dentro, atravessou uma cozinha vazia e deu com a porta que levava para a varanda exterior inchada pela ação da chuva. Forçou-a e abriu com alguma dificuldade. No exterior havia ainda mais uma escada íngreme que escalava o topo da construção, levando até uma sala extensa e desabitada. O tempo já havia virado, começava a garoar e as gotículas d’água dançavam pelo ar. Parou à porta já do lado de dentro da sala e observou o mundaréu de telhados e antenas de televisores. Ouviu o barulho dos carros que ainda conseguia chegar até ali, embora um pouco abafado, e fechou a porta como se houvesse uma nevasca do lado de fora. Na sala o chão de cimento liso adquiria tons róseos da luz de um filtro vermelho envelhecido preso à janela. Caminhou pela sala funcionalmente amorfa e tentou usar uma pia perdida por ali. Houve primeiro um som agudo e estertorante vindo da torneira, um pouco de vento, um silêncio e a reverberação de dezenas de canos de chumbo balançando, vibrando, agonizando e gritando com um silvo longo do vazio de anos. Era como ser atingido por uma extenuante dor de cabeça em um momento de gozo. E lá embaixo já vazando água pelas juntas o cano arrebentara...

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