sábado, junho 25, 2005

Vermelha

Vermelha.
Perfeitamente vermelha escura.
Deslizara pelo branco aveludado, lentamente, ora atrasada pelos pequenos pelos, ora correndo mais de pressa até a borda onde se debruçara com um brilho vivo, intenso, furtivo, balançara, pulsara, pendera e caíra. Viajando por centenas de longos instantes pelo ar, perdida, redonda e vermelha.
O tempo parara. Algumas vezes pestanejava, caía em um sono longo, etéreo e instantâneo, visitava pradarias, bosques, montanhas e ia muito além. O cheiro de madeira invadia as narinas, as extremidades do corpo reclamavam frias, as mãos ásperas falhavam, vacilava... E o sono perseverava mais forte que tudo, disputava, tentava acordar, piscava forte contra o sono dos justos. Às vezes um raio de luz refletido no copo de vidro que ia e voltava saltando os frisos do assoalho de madeira alcançava a gigantesca pupila dilatada que não precisava mais esconder-se atrás da pálpebra para sonhar. Alçara vôo sobre dois mundos. De súbito todas as cores ganharam um brilho forte, sobrenatural, como se a tinta do quadro borrasse em milhares de tons impressionistas. Não havia mais extremidades e cada cor era feita de milhares de outras, estava dentro de um quadro. Em um átimo de segundo sentiu-se finalmente livre, o corpo parou de lutar, os músculos cederam, a consciência deu lugar à inconsciência.
Acordara bruscamente com o estardalhaço. Eram milhares de gotas vermelhas a surgir da derradeira que despedaçara-se ao encontrar com a água, multiplicando o impacto e o efeito do vermelho vivo diluindo e desaparecendo no líquido transparente. O estrago já havia sido feito. O vermelho escorria sobre o cavalete e o chão misturando o seu forte odor ao do vinho. A tela branca possuía agora manchas produzidas por um efeito errático. Rorschach.

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