segunda-feira, janeiro 10, 2005

O fantasma do ano novo

É um hábito comum passar o natal sempre com a família, mas o ano novo... Ah... O ano novo sempre reserva diversas possibilidades novas: viagens, baladas, amigos e diversão. O final daquele ano em particular não prometia muito. Juliana iria para a casa de algumas pessoas que julgava conhecer muito bem, apesar da verdade ser exatamente o contrário, e acreditava realmente que iria se divertir muito. Ledo engano. Ao chegar sentiu-se imediatamente incomodada frente a todas aquelas pessoas estranhas com seus hábitos desagradáveis acomodadas pelos cantos da casa suja e empoeirada. Alguns bêbados, outros drogados e outros ainda com um cheiro nauseante. Poucos rostos lhe eram familiares, o de seu namorado, Alan, o da dona da casa, Joana, e o de mais duas ou três outras pessoas. Sentia-se muito sozinha, principalmente porque queria passar algum tempo a sós com o seu namorado. Enquanto ele conversava e se divertia do lado de fora da casa ela conversava no quarto mais limpo que encontrou com as poucas pessoas que a agradaram, uma delas era Leandro, um divertido ruivo que estava de cama e que a fazia rir. Mas não foi o bastante, a solidão continuava a devorá-la por dentro e as decepções acabaram por deixá-la cada vez mais triste. Foi então que oportunamente seu celular tocou. Agora, enquanto recordava, um desejo auto-destrutivo dizia a ela que talvez devesse ter ficado lá se enganando, mesmo sabendo que faria a escolha mais sensata para aquele momento. Era Flavia, uma tímida amiga sua a quem não via há um longo tempo convidando-a para cear em sua casa. Em dúvida chamou Alan e depois de uma discussão de poucos minutos acreditava não estar trocando o certo pelo duvidoso. Despediu-se de todos dizendo que voltaria no dia seguinte, arrumou suas coisas e seguiu para casa de Flavia junto à lua nascente, deixando até mesmo Alan para trás. Na casa de Flávia, o jantar transcorrera com tranqüilidade. Estavam apenas Flávia, seu marido Renan, a namorada do irmão de Renan, Julia, e um amigo do casal, Marcelo. Pouco tempo depois da ceia Flavia e Renan decidiram parar de brigar contra o sono e resolveram ir dormir deixando Juliana, Marcelo e Julia conversando na sala. Juliana se sentia atraída por Marcelo, ele era muito bonito, inteligente e tinha um sorriso encantador. Ficaram lá os três conversando e só então Juliana notou como Julia se parecia com ela, no formato do rosto, no corte de cabelo e no jeito de falar. Falavam sobre os filmes que gostavam e os cinemas que costumavam ir. Julia falava sobre quando ia ao cinema com seu namorado, sobre o quanto o amava e sobre a saudade dele que estava viajando. As horas passavam e Juliana ficava mais e mais intrigada. No começo os três conversavam falando igualmente, mas enquanto a lua atravessava o céu Juliana ia ficando cada vez mais impressionada e silente. A conversa seguiu noite à dentro entre livros e peças de teatro e muitas vezes Julia interrompia Juliana para dizer algo a Marcelo. Eram as palavras de Juliana e até seus pensamentos vindo à luz na boca de Julia. Eram muito parecidas. Há até quem pudesse dizer que eram irmãs, tamanha a semelhança que a conversa salientava como a água do rio a carregar do leito a terra e expor o cascalho. A lua figurava com um brilho sinistro no céu e Juliana começara a se questionar se deveria ter vindo. Julia falava a Marcelo com paixão deixando Juliana estarrecida. Elas eram parecidas em tudo das roupas e pensamentos aos desejos e sentimentos mais íntimos. Certa hora, enquanto Julia ajeitava o cabelo Juliana notou que possuíam até as mesmas duas pintas do lado esquerdo do peito. Julia era Juliana. E Juliana, terrificada, era um espelho da mulher que flertava com Marcelo a sua frente como se fosse ela mesma; nada era capaz de provar o contrário. As luzes forma se tornando quentes e a escuridão tomou conta de tudo. Juliana tomara consciência da pergunta ribombando em seu cérebro. Se Julia era Juliana... quem era ela? Apenas ela ouviu o baque surdo do corpo indo de encontro ao chão e o estalo ardente do beijo entre o casal na sala.

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