sexta-feira, julho 31, 2009

Aqueronte

Sensação estranha, uma misura de imagens que são por sua vez misturas de idéias. Um amigo morto, ou melhor dizendo, prestes a morrer porque seu cérebro foi danificado permanentemente, além de qualquer possibilidade de conserto. Nem sei como fiquei sabendo, fui até a casa do amigo em questão que se tornou outro de uma hora para outra, talvez porque eu tenha decidido polidamente declinar de minha amizade para com este anos atrás. Uma relação estranha, tóxica e questionável do ponto de vista do que se deve esperar de uma amizade.

Removido das idéias o amigo em questão. O novo-velho-amigo-covalecente, que por acaso não encontrava desde o velório da mãe de um grande amigo nosso (mais meu do que dele na verdade, não por isso menos amigo nosso, coisas de amigos de colégio). Estava magro e positivamente mudado pela idade, aparentava estar mais saudável, sincero e bem cuidado do que em nosso encontro anterior. Acompanhou-me até uma loja de aspecto um tanto vitoriano onde alguns dos meus quadros estavam expostos ainda molhados. Levei-o lá porque ao longo de sua doença aparentemente ele também havia passado a pintar e o fazia muito bem. E ao partilhar de tão agradável experiência, queria que levasse consigo o prazer de uma última conversa com outro amigo pintor. Ele não estava só, o pai dele, um jovem senhor muito gente boa que morreu há alguns anos de uma doença degenerativa, o acompanhava devido a sua impossibilidade de caminhar, conversar e fazer tudo aquilo que ele estava fazendo naquele momento.

Tudo ocorreu muito rápido, tendo em vista que a hora da morte estava marcada para a cena seguinte e não queríamos nos atrasar. Assim, dei-lhe um quadro e voltamos a sua verdadeira casa onde outros rostos conhecidos aguardavam com ansiedade e pesar. Apressado, meu amigo voltou para o quarto de enfermaria que havia deixado em sua casa, no que outrora fora sua sala de estar; deitou-se na cama, ajeitou o travesseiro e colocou de volta os eletrodos. Soutou uma ou duas palavras de ordem durante o processo afim de que tudo ocorresse como planejado e, sem mais me olhar desde que voltamos da loja, desligou os próprios aparelhos enquanto seu pai o auxiliava.

Triste e sem poder mais observar o corpo que agora jazia sem vida, virei de costas e caminhei para longe enquanto lembrava de quando minha irmã do meio removia a carne excessiva de suas pernas após ser morta por um trem algumas noites antes.

Comprimi os olhos com um gosto estranhamente familiar na boca, o som das pedras de gelo castigava o telhado. Virei de lado, e fiquei ali parado, nostalgicamente ouvindo a chuva por alguns minutos até o sono me buscar novamente.

Um comentário:

  1. Muito bom, e um tanto quanto incômodo... Vc anda lendo muito o blog da Luana! (hehehe... isso foi um elogio, viu, pra vc e pra ela...)

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