sexta-feira, outubro 29, 2004

O que não deve ser nomeado.

_O que mais lhe assusta? – perguntou o homem no outro canto da sala.
Imersa em sombras e fumaça de cigarro apenas o mostrador do rádio relógio rasgava em verde os tons marrons escuros que cobriam a sala como uma mortalha. Um silêncio mórbido percorreu o ambiente causando a mesma sensação estranha que a friagem causa em nossa pele instantes antes do tempo mudar avassaladoramente. Por vezes, seus pelos arrepiavam-se e todo o ambiente parecia compor um quadro em sua mente, com cores da fase holandesa de Van Gogh. Imagens corriam sua mente e vultos freqüentavam a extensa sala. Uma imagem se formava.
_Certas coisas não devem ser nomeadas. – respondeu o rapaz em voz baixa, esquivo e inquieto.
Uma crença comum é a de que nomes têm poder, saber o nome real de uma coisa pode ser bastante perigoso. O rapaz tentou explicar entre palavras vacilantes. Falou ao homem sobre uma certa crença Haitiana, rituais de morte e os pesquisadores que tentaram estudá-la, falou também sobre o poder de se acreditar em algo. Logo suas palavras sumiram em meio a fumaça.
_Por que me perguntou isso? – o temor começara a se transformar em raiva.
O homem não soube responder, por mais preparado que estivesse a força nas palavras do rapaz lhe açoitaram o peito, o ar faltara e suas próprias palavras não conseguiam romper o som do silêncio. O homem percebeu que acordara demônios que permaneciam há muito adormecidos, demônios que não deveriam ser acordados sob hipótese alguma. Na verdade, o que ele não sabia é que este demônio voltara a rondar pouco tempo antes e possuía sim um nome.
A sensação de estar com o abdômen preso por faixas sujas, levemente ensangüentadas, encurtando-lhe a respiração, em um quarto semi-destruido, imerso na sombra, ao súbito e esperado zunido de um letreiro de néon vermelho refletindo nos respingos que a chuva colocara na janela; somada a impressão de uma mão em forma de garra, feita de acúleos de rosas, com seu caule já há muito seco, espremendo o seu coração a cada batida, como que fazendo-o bombear o mesmo sangue que escorre por entre os longos dedos desta mesma mão sob o odor característico de madeira podre. Pavor é o nome.
O homem afrouxou a gravata e soltou o primeiro botão da camisa, uma atitude nada convencional, pouco profissional em sua própria opinião. Tentou disfarçada e inutilmente enxugar as gotas de suor que passaram a brotar em sua face na mesma velocidade de seu pensamento. Era tarde demais, seu nervosismo já era aparente.
Em sua frente com as faces ruborizadas, inclinado para frente, ofegante, dentro da única coisa clara em todo aquele ambiente, florescia agora a impressão de ar brotando de dentro para fora, inundando os seus pulmões, um calor conhecido e um ímpeto destemido, desavisado, imprudente gritando em sua mente. A raiva agora fluía livremente. Abruptamente parara o som do letreiro de néon. Tudo isso por causa de um nome, um nome de mulher. Ela voltou.

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